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Blog de Contencioso Administrativo



Terça-feira, 05.11.13

A providência cautelar

             Ao lado dos processos principais (urgentes e não urgentes), encontramos os processos cautelares, regulados nos arts.112º e seguintes do CPTA, tendo como objectivo impedir  a inutilidade da acção declarativa principal (112º/1), isto é, “impedir que se constitua uma situação irreversível ou danos gravosos que ponham em causa a utilidade da decisão que o autor pretende obter. Caracteriza-se pela instrumentalidade em relação ao processo principal (112º/1 e 113º/1), pela provisoriedade (124º/1) e pela sumariedade (“o tribunal procede a meras presunções perfunctórias, baseadas num juízo sumário, evitando antecipar juízos definitivos”).O procedimento cautelar ganhou uma maior importância com a reforma do contencioso administrativo; vem acautelar de uma forma mais eficaz direitos existentes, com reflexos na utilidade da sentença final, para além da suspensão da eficácia do acto administrativo.

           

            O art. 112º pretende dar cumprimento ao art. 268º/4 da CRP (“É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.”) e trata-se de uma cláusula aberta (não pode colidir com a ideia de interesse público). O nº 2 do art. 112º apresenta um elenco exemplificativo de possíveis providências cautelares. Existem duas espécies de providências: conservatórias e antecipatórias. No caso das providências cautelares conservatórias, o interessado pretende manter ou conservar o direito em perigo, sendo a suspensão da eficácia do acto administrativo (112º/2 a)) o exemplo paradigmático desta espécie de providência. Nas providências cautelares antecipatórias, o interessado pretende obter uma prestação, envolvendo ou não a prática de actos administrativos. Pode haver lugar à adopção de regulações provisórias conservatórias ou antecipatórias.

           

             Têm legitimidade para intentar a acção tanto o Ministério Público como os particulares, podendo ser requeridas nos termos do nº1 do art.114º (“Previamente à instauração do processo principal; Juntamente com a petição inicial do processo principal; Na pendência do processo principal”).

           

             Quanto aos incidentes do processo cautelar, cabe analisar o decretamento provisório da providência cautelar (131º) e a proibição de executar o acto administrativo (128º-sendo “duvidosa” a sua qualificação como tal). Quando as circunstâncias o justifiquem, a providência cautelar pode ser (provisoriamente) decretada logo após a apresentação do requerimento. O pedido não se refere a um processo cautelar especial, mas sim a um incidente no processo cautelar. Trata-se de uma “tutela cautelar de 2º grau”, para evitar o “periculum in mora”, que vale durante a pendência do processo cautelar até ao momento da sua decisão, em situações de especial urgência, com respeito pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva. O tribunal pode decretar provisoriamente a providência, atendendo à gravidade da situação e à possibilidade de lesão irreversível de um direito, liberdade ou garantia (131º/3).O decretamento é provisório, mas imediato, para evitar o esgotamento do interesse da própria pretensão inicial. Não há lugar a uma decisão antecipada e definitiva sobre o fundo da causa, mas fica garantido o direito alegado no processo principal enquanto não findo o processo cautelar.

               

             Existem duas fases sucessivas na tramitação do incidente previstas, respectivamente, no nº3 e no nº6 do art.131º.No primeiro, o prazo é de 48 horas, sem lugar a contraditório; no segundo, o juiz pode rever a decisão tomada, havendo, assim, lugar a contraditório. Em princípio, não haverá lugar a produção de prova, embora os tribunais têm-na admitido na fase do art.131º/6. Quanto ao nº3, coloca-se a questão de como densificar “outra situação de especial urgência”: outras situações de lesão iminente e irreversível, um dos requisitos do art.120º/1 concretiza-se no perigo dessa lesão (alíneas b) e c)), no que se refere à morosidade do processo principal e do próprio processo cautelar. Já a jurisprudência identifica essas “outras situações”  como as de lesão iminente e irreversível de direitos, liberdades e garantias de natureza análoga. Afigura-se incorrecto porque estes já beneficiam do regime constitucional – o 131º refere-se, então, ao decretamento provisório de “qualquer medida cautelar de direitos, liberdades e garantias ou não, desde que haja especial urgência”. Quanto ao critério de decisão do 131º/6, só em situações de “evidência desfavorável” resultante  do contraditório.

               

            A diferença substancial entre o decretamento provisório e o processo urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias reside na necessidade ou não de uma decisão de mérito para assegurar o direito. No art.131º, a providência cautelar é concedida, sem prejuízo da decisão definitiva, não sendo a decisão de mérito indispensável  porque o decretamento provisório se revela suficiente (deixa-se para a causa principal a decisão definitiva sobre o caso; tem uma natureza provisória - 124º ). A intimação vem suprir as insuficiências da tutela cautelar. A sua situação paradigmática é a proibição da realização de uma manifestação em data muito próxima, pelo contrário, o decretamento provisório seria suficiente no caso da expulsão imediata de um estrangeiro do território nacional.

               

            A proibição de executar o acto administrativo (128º) opera automaticamente com a recepção do duplicado do requerimento pela entidade requerida e abrange muitas outras situações, operando extrajudicialmente, sem estar dependente de decisão do juiz. Tanto o art. 131º como o art.128º visam evitar o “periculum in mora” do processo cautelar e prevenir danos resultantes da demora do processo (regime que vale na pendência do processo cautelar até ser decidido).

               

         O modelo de tramitação do processo cautelar está previsto nos arts.114º a 119º (e art.132º/4 e 5 para a formação de contratos).A providência cautelar é apresentada mediante requerimento autónomo (114º/1), tendo de cumprir os requisitos do art.114º/3 (o valor encontra-se previsto no art.32º/6); depende da  emissão de despacho liminar pelo juiz, que só deve ser de rejeição quando falte algum dos requisitos do requerimento. Os requeridos têm 10 dias para deduzir oposição (117º); no caso de falta de oposição, presume-se a veracidade dos factos invocados pelo requerente.

               

           Quanto aos critérios de atribuição de providências cautelares, podemos distinguir os gerais e os especiais. Os critérios gerais são o do “periculum in mora”, quando haja “fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação”; o da aparência do bom direito, em que” o juiz deve avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo”; e o da ponderação de interesses (juízo de valor absoluto e juízo de valor relativo). Os critérios especiais são seis: evidência da  procedência do processo principal (120º/1 a)-elenco meramente exemplificativo); suspensão do pagamento de quantia certa (120º/6); suspensão da eficácia de actos já executados (129º); suspensão da eficácia de normas regulamentares (130º); providências relativas a procedimentos de formação de contratos (132º); e providências em situações de grave carência económica (133º).

               

            Existe, ainda, prevista no art.121º, a possibilidade de convolação do processo cautelar em processo declarativo (“válvula de escape”),no sentido de antecipar juízo sobre a causa principal e como complemento dos processos declarativos urgentes. Exige-se “manifesta urgência na resolução definitiva do caso”(condição substantiva), não uma mera providência cautelar, e “todos os elementos necessários”(condições processuais) ouvidas as partes, para decidir a questão de fundo. De acordo com o art.121º/2, a decisão é passível de impugnação. Um eventual recurso da decisão não tem efeito suspensivo, mas meramente devolutivo (143º/2).Este mecanismo foi inspirado no regime italiano, pode ser promovido por iniciativa oficiosa do tribunal ou suscitado pelas partes (neste último caso, a pronúncia de não convolação não é passível de recurso).Trata-se de situações não enquadráveis nos arts.97º a 111º, no respeito pela tutela jurisdicional efectiva e pelo direito ao processo efectivo e temporal justo. Há autores que defendem a necessidade de cumulação de três requisitos, outros autores de apenas dois, acima referidos. Deve-se atender às circunstâncias, à gravidade das lesões/interesses em causa e ao facto de ser preciso mais do que mera providência cautelar. Se não se reunirem todos os elementos necessários à decisão, deve ser atribuída providência sem mais indagações (120º/1 a)). A audição das partes é uma manifestação do princípio do contraditório, podendo ser considerado um requisito autónomo, por ser diferente da exigência de “todos os elementos necessários”.

 

 

Beatriz Gil

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por blogdecontenciosoadmnistrativo às 14:33


3 comentários

De tiagoantunes a 02.12.2013 às 21:37

Visto.

De Anónimo a 10.08.2018 às 00:56

MUITO OBRIGADA!
Ajudou-me imenso - vou tentar que o Tribunal entenda.

De Ricardo Pereira a 27.11.2019 às 14:13

Boa tarde, estou numa situação de ex scuts, em que já dei entrada de duas ações alegar a ilegalidade, mas para evitar a penhora, enquanto está a decorrer essas ações, estava a pensar numa providencia cautelar. Por acaso não tem um minuta?

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