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Blog de Contencioso Administrativo



Segunda-feira, 09.12.13

Algumas notas sobre o Art. 55º, nº1, a) do CPTA

I – Identificação da questão

 

 

À semelhança do que ocorre no processo civil, o contencioso administrativo também fixa pressupostos para que as partes possam agir/intervir. Pretende-se com esse texto analisar o pressuposto da legitimidade das partes. Mais concretamente a legitimidade ativa do artigo 55º, nº1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA).

Em relação à legitimidade das partes podemos distinguir uma legitimidade ativa e passiva correspondendo aos artigos 9º e 10º CPTA respetivamente.

O artigo 9º CPTA apresenta-se como um critério geral de legitimidade ativa. Este artigo está construído segundo uma base subjetivista, o que significa que tem legitimidade para ser parte num processo quem alegue ser parte na relação material controvertida, isto é, quem esteja a ser afetado na sua esfera jurídica por alguma ação da Administração pode recorrer aos tribunais. A vertente subjetivista, que considera que o contencioso administrativo existe para tutelar direitos individuais/posições jurídicas dos cidadãos, contrapõe-se à vertente objetivista que considera que o contencioso administrativo tem como função tutelar a legalidade e a prossecução do interesse público. 

            Visões diferentes como estas irão dar resultados também eles diferentes. Assim sendo repercute-se nas considerações de ambas sobre quem tem e não tem legitimidade. Segundo a opinião subjetivista só pode recorrer a tribunal, pois só assim tem legitimidade, quem se sinta afetado; sendo que a vertente objetivista tem uma visão mais alargada da legitimidade pois considera que tem legitimidade qualquer pessoa que tenha conhecimento de um ato ilegal.

Assim sendo, segundo o critério o artigo 9º, nº1, basta alegar que se é parte na relação material controvertida, pois o critério é o da titularidade da relação material controvertida. Por sua vez, a par das ações iniciadas por particulares, o artigo 9º, nº2 acresce a possibilidade de ação popular. Neste preceito pretende-se atribuir legitimidade a alguém que não poderá estar em juízo ao abrigo do artigo 9º, nº1, pois não tem um interesse direto. A própria Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 52º, nº3, elege certos valores que permite indivíduos que atuem em juízo independentemente de erem um interesse direto na questão para a defesa de valores públicos.

 

II – Legitimidade ativa na impugnação de atos administrativos

            Sendo o artigo 9º CPTA um critério geral, o código apresenta critérios especiais para, neste casos, ação administrativa especial de impugnação de atos administrativos. O artigo 55º CPTA enumera quem tem legitimidade ativa, isso é, para agir, na impugnação de atos administrativos. Assim o nº1, alínea a) estabelece que tem legitimidade “Quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos; (…)”

            O artigo 55º, nº1, a) CPTA fixa como critério especial  “ser titular de um interesse direto e pessoal”.  Em primeiro lugar cabe-nos analisar o conteúdo do interesse. Quais os conteúdos que podem fazer com que o requisito do interesse estejam preenchidos. Poderá corresponder a ter uma necessidade cuja verificação desse algo satisfaz; considerar essa verificação como algo de bom para o seu titular ou possuir razões para querer essa verificação[1]. Assim de acordo com José Duarte Coimbra ter interesse na impugnação de um ato administrativo poderia significar que a impugnação desse acto satisfaria uma certa necessidade do autor; ou que essa impugnação seria boa para o autor ou que o autor possuiria razões para querer essa impugnação[2]. O autor considera que o interesse de que se trata é um interesse em releva “as relações jurídicas para querer impugnar o ato”. Logo ter interesse, e consequentemente legitimidade para impugnação do ato é ter uma “base jurídica” que possibilite o acesso ao juiz[3].

            Nos dias de hoje o interesse é qualificado como “direto e pessoal” mas anteriormente não o era. Acrescia o requisito de ser legítimo. A utilidade que se pretendia requerer não poderia ser reprovada pela ordem jurídica. Este pressuposto já não é de necessária verificação, sendo que o que é controvertido nos dias de hoje é definir em concreto o que significa “interesse direto e pessoal”. Como diz Vieira de Andrade, não significa isto que tal interesse pode ser ilegítimo, mas apenas que basta um interesse de facto diferenciado, não se exigindo a titularidade de um interesse legalmente protegido[4].

            Cabe-nos a nós, em paralelo com a opinião, nem sempre convergente da doutrina, tecer algumas considerações sobre qual o conteúdo de “direto” e “pessoal”.

            Para Mário Aroso de Almeida o carácter pessoal prende-se como facto de se ter de exigir ao interessado em agir uma utilidade pessoal, isto é, que seja aproveita por ele próprio, de modo a que posse ser considerada parte legítima sendo ele próprio o titular do interesse sobre o qual se fundamenta o processo. Por sua vez entende que o carácter direto consiste em saber se existe um interesse atual e efetivo em pedir a impugnação do ato. Considera que o caracter “direto” consiste em saber se o interessado tem interesse processual ou interesse em agir[5]. Em desacordo está José Duarte Coimbra. Tendo em conta que o interesse processual traduz numa utilidade de acesso ao processo e adequação do meio processual escolhido, o autor considera que a mera titularidade de um direito não bastaria para justificar esse acesso. Não nega porém o facto de ter de haver interesse processual mas sim como um pressuposto geral. Conclui o autor dizendo que a falta de atualidade ou falta de efetividade de um dado interessado só serão relevantes no mérito da causa[6]. O carácter “direto” do interesse também conduz a alguns problemas em situações de fronteira entre a legitimidade e a necessidade de proteção judicial uma vez que o carácter direto do benefício não é reconhecido quando se mostra meramente eventual.

 

III – Análise de Jurisprudência

 

            Tomemos em atenção o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Ac. De 20/6/2012, P. 0230/12[7].  Neste processo estávamos perante uma ação administrativa especial, logo a lei não exige a titularidade da relação material controvertida apenas que o autor seja titular de um “interesse direto e pessoal”. Neste processo para se averiguar a legitimidade do autor é necessário que este retire uma utilidade ou vantagem da pretensão de anulação do ato lesivo. Este acórdão considerou que, se por um lado esta legitimidade é alargada a quem não seja titular da relação jurídica controvertida, por outro lado podem ser prejudicados pela própria legitimidade se da ação não retirarem nenhuma vantagem ou utilidade. Estando neste caso perante um caso de compropriedade e sendo que é assente que o exercício de direito decorrentes da compropriedade tem de ser feito em conjunto por todos os comproprietários, o STA entendeu que o pedido de anulação do ato e o pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização tem de ser feito por todos os comproprietários em conjunto. Só assim, através da atuação conjunta é que se poderá retirar benefícios do êxito da ação. Assim sendo, numa situação de compropriedade para impugnação de ato administrativo em que os benefícios do êxito da ação só se irão verificar no conjunto é necessário que os comproprietários atuem em conjunto pois só assim terão legitimidade.

 

 

 

Bibliografia:

Almeida, Mário Aroso de; “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2013

Andrade, José Vieira de, “A Justiça Administrativa”, 12º Edição, Almedina

Coimbra, José Duarte; “A “legitimidade” do Interesse na Legitimidade Ativa de Particulares para impugnação de ator administrativos”;

Silva, Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2º Edição, Almedina



[1]  José Duarte Coimbra, “A “legitimidade” do Interesse na Legitimidade Ativa de Particulares para impugnação de ator administrativos”; pp. 5
[2] José Duarte Coimbra, “A “legitimidade” do Interesse na Legitimidade Ativa de Particulares para impugnação de ator administrativos”; pp. 5
[3] José Duarte Coimbra, “A “legitimidade” do Interesse na Legitimidade Ativa de Particulares para impugnação de ator administrativos”; pp. 6
[4] Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”; pp 195
[5] Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, pp. 236
[6] José Duarte Coimbra A “legitimidade” do Interesse na Legitimidade Ativa de Particulares para impugnação de ator administrativos”; pp.11
[7] Disponível em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/09ff57e3287f200780257a2f0052a08e?OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,ac,2%2F6%2F99,P,39682#_S

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Maria Martins às 13:02


1 comentário

De tiagoantunes a 12.12.2013 às 18:22

Visto.

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