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Blog de Contencioso Administrativo



Quarta-feira, 18.12.13

Desaplicação da norma com efeitos circunscritos ao caso concreto

Na secção III do capitulo II do titulo III do codigo de processo nos tribunais administrativos está regulada a impugnação de normas que tem por objecto, como dispõe o artigo 72º/1, “a declaração de ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo”.

Apesar de neste texto a atenção incidir sobre o pedido de declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto (artigo 73º/2) existem duas modalidades decorrentes deste meio processual de impugnação de normas sendo a outra o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (artigo 73º/1). 

 

Têm legitimidade para obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto (portanto sem força obrigatória geral), pelo disposto no artigo 73º/2, os lesados ou qualquer das entidades referidas no art. 9º/2. Surge a dúvida sobre quem é o lesado para este artigo 73º/2: a declaração de ilegalidade com força obrigatoria geral, como disposto no artigo 73º/1, “pode ser pedida por quem seja prejudicado pela aplicação da norma ou possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo” portanto não se compreende porque no artigo 73º/2 é deixada de lado a situação de ameaça e prejuizo previsivel provocados pela norma. Posto isto, não parece que o lesado no 73º/2 possa ser entendido de forma diferente, valendo portanto a lesão efectiva e a lesão que a norma previsivelmente causará, da mesma forma que é compreendido no artigo 73º/1.

Pode esta declaração de ilegalidade ser pedida quando “os efeitos de uma norma se produzam imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação”, assim dispõe o artigo 73º/2. Este reflexo directo da norma é delimitado por Pedro Delgado Alves: existindo, na norma regulamentar, espaço para a livre decisão de um orgão administrativo (por via de conceitos indeterminados ou da concessão de poderes discricionários) a norma não será então imediatamente operativa visto ser necessário acto administrativo concretizador do juízo da administração.

 

Para caracterizar e diferenciar esta modalidade de impugnação de normas é essencial analisar os efeitos da declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.

Da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (artigo 73º/1) existe uma correspondência por parte do artigo 76º no tocante aos efeitos dessa declaração, o mesmo não acontece com a declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto (artigo 73º/2). Deve, assim, ser aplicado o mesmo artigo 76º com as devidas salvaguardas adjacentes às características da situação.

Pelo 76º/1 os efeitos da declaração da ilegalidade circunscrita ao caso concreto produzem-se assim desde a data da emissão da norma e esta declaração implica a represtinação das normas entretanto revogadas. No entanto o artigo 76º/2 vem deixar uma salvaguarda à situação apresentada anteriormente cuja aplicação não é consensual no caso da declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto. Vieira de Andrade e Aroso de Almeida consideram que este poder de limitação dos efeitos não deve existir na declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto dado que não existem outros interesses relevantes de ordem pública que justifiquem essa limitação. Enquanto para Pedro Delgado Alves este instrumento não deve ser totalmente afastado visto que, embora considere dificil encontrar um caso em que o Juiz possa aplicar esta limitação à declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral, não deve ser rejeitada a necessidade respeitar “razões de segurança juridica, de equidade ou de interesse publico de excepcional relevo, devidamente justificadas” como dispõe o artigo 76º/2.

 

Ainda no que diz respeito aos efeitos Pedro Delgado Alves apresenta uma falta de coesão desta modalidade de impugnação: a inclusão das pessoas e entidades referidas no artigo 9º/2 do CPTA no elenco da legitimidade activa refere que a intervenção dos actores populares será feita nos termos previstos na Lei da Acção Popular (Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto). Aqui está a incongruência: esta sentença tem em vista a desaplicação da norma no caso concreto e, no entanto, a Lei da Acção Popular (artigo 19º de epígrafe "Efeitos do caso julgado") prevê a eficácia geral das sentenças, ou seja, desta resultariam efeitos gerais. Para ultapassar este problema Pedro Delgado Alves sugere um de dois caminhos: entender que os valores e interesses defendidos pela legitimidade popular exigem sempre uma sentença com eficácia geral vendo o artigo 19º da Lei da Acção Popular como norma especial ou considerar o artigo 73º/2 do CPTA uma norma especial destinada a produzir efeitos no caso concreto e afastar a aplicação deste artigo 19º.

O autor segue a primeira solução apresentada conseguindo os autores populares obter sempre uma pronúncia com eficácia geral, apenas tendo a norma de produzir efeitos imediatos, para além de que estando em causa interesses difusos, a desaplicação no caso concreto não parece suficiente.

 

Quanto à fundamentação da declaração de ilegalidade: Vieira de Andrade refere que esta se deve basear na lesão directa de direitos ou interesses legalmente protegidos ou dos valores comunitários susceptíveis de acção popular e nunca ter por base vícios formais. Pedro Delgado Alves tem posição contrária afirmando que a criação de limitações aos fundamentos da impugnação de normas afectando a efectividade do princípio de legalidade, nomeadamente ao dificultar a reposição da legalidade objectiva.

 

Bibliografia:

Almeida, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2013

Andrade, José Vieira, “Justiça Administrativa”, Almedina, 2011

Alves, Pedro Delgado, “O Novo Regime de Impugnação de Normas”, 2004

Silva, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, Almedina, 2009

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por Guilherme Silva às 22:51



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