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Blog de Contencioso Administrativo



Sábado, 07.12.13

Da Inexecução de Sentenças

 

Artigo 45º, nrº 1 CPTA


Uma das novas tarefas do juiz após a reforma do contencioso administrativo prende-se com o conhecimento antecipado das causas legítimas de inexecução de sentença que encontra consagração expressa no mecanismo de modificação objectiva da instância consagrado no artigo 45º CPTA, para as acções administrativas comuns e especiais (ex vi artigo 49º CPTA) e no artigo 102/5º CPTA para o contencioso pré-contratual de natureza urgente. O legislador confere ao juiz a possibilidade de “ditar e conhecer agora” o que sempre iria “ditar e conhecer depois”.1

Este artigo é inspirado no “princípio da flexibilidade do objecto do processo” 2 visando antecipar o juízo sobre a existência de causas legítimas de inexecução da sentença3 que venha a ser proferida, permitindo assim evitar, em casos excepcionais, a pronuncia de decisões judiciais insusceptíveis de em sede executiva, se materializarem, trazendo para a acção declarativa o problema da indemnização devida pelo facto da inexecução legítima da sentença.

Exclui uma decisão formal de extinção da instância por impossibilidade superveniente da causa. Impondo uma decisão de mérito, mas – ao abrigo de uma interpretação rectificativa do nrº1 – de procedência, sobre os fundamentos do pedido e não de improcedência inicial do pedido.

A expressão “o tribunal julga improcedente o pedido em causa”, surgiu com a Lei nº 4-A/2003 de 19/2, em substituição da expressão “o tribunal não profere a sentença requerida”, que se manteve no artigo 102º CPTA. A ideia é que o tribunal não pode deixar de proferir decisão, no entanto a expressão não foi feliz. Julgar improcedente o pedido inicial, acabaria por “matar” a justificação para o pedido de indemnização. A condenação em indemnização constitui um substituto ao pedido inicial, devendo ter factos para o sustentar, logo a intenção do legislador não pode ter sido a de transformar a acção inicial numa acção totalmente nova, mas sim antecipar o juízo sobre a existência de causa legítima de inexecução da sentença: a proferir sobre o pedido inicial.

Na verdade, se o pedido do autor fosse mesmo improcedente, então, para além do autor ter que pagar as custas do processo, o tribunal não teria que convidar a Administração a acordar com ele no pagamento de uma indemnização, que no caso não seria devida.

 O regime deste artigo tem sido bastante criticado, havendo quem o considere inconstitucional por entender que violava o princípio da separação de poderes bem como o princípio do pedido.4

o artigo é omisso quanto à sua inaplicabilidade naqueles casos em que, atendendo ao autor, se sabe que mesmo havendo impossibilidade absoluta ou excepcional prejuízo público da execução em espécie da sentença, não haverá lugar ao pagamento de qualquer indemnização, como ocorrerá nos casos em que o autor é o Ministério Público(“acção popular”) ou em acções populares. Neste casos impõe-se que o processo siga até ao final, sobre pena de denegação da justiça, independentemente do que venha a acontecer em sede de execução da sentença proferida.5

Na hipótese deste nrº1, a lei dispõe que logo no processo declarativo – é um ônus seu fazê-lo aqui – a administração alegue e comprove a existência dessa situação em que se encontra estando-lhe vedado invocar no processo executivo uma impossibilidade ou prejuízo que já então estivesse em condições de o invocar (artigo 163/3º). O ônus em que a administração está constituída de alegar, os motivos de interesse público já existentes que obstem ao cumprimento dos deveres em que seria condenada, sob pena de não o poder fazer mais tarde em sede de processo executivo

Qual o âmbito temporal deste ônus processual? Só vale para as causas e motivos que existirem até ao termos do prazo de contestação ou estende-se através de um articulado superveniente? Optaremos pela segunda opção, em acordo com Autores do CPTA.6

Face ao anterior regime, a principal diferença resulta de, no passado, o processo declarativo principal correr normalmente até ao seu termo, para só depois, no processo executivo se discutir e resolver a questão da “conversão” da acção, enquanto à luz do novo regime esta questão deve ser discutida no processo declarativo, se os pressupostos da inexecução legítima já existirem em tal momento.

Se o tribunal entender procedente essa invocação da Administração, a pretensão formulada pelo autor vai ser objecto de uma modificação objectiva, deixando de ter como objecto o pedido inicial e passando a versar sobre a indemnização devida pela causa legítima de inexecução.

Vera Eiró7 diz-nos que existindo uma causa legítima de inexecução, estamos na presença de uma obrigação de indemnizar fundada na prática de um acto lícito. Para justificar a sua posição, apoia-se no artigo 166º CPTA, dizendo que “os prejuízos que deverão ser ressarcidos ao abrigo deste mecanismo processual prendem-se tão-só com os prejuízos resultantes de uma eventual e posterior causa legítima de inexecução da sentença, que poderão ser não coincidentes com os prejuízos” que decorrem do pedido inicial. O elemento da ilicitude não é ponderado, uma vez que o que está em causa é a existência de uma causa legítima de inexecução que quebra o nexo de causalidade com o acto inicialmente ilícito.8 

Já Mário e Rodrigo9referem que o preceito em análise “proporciona ao autor, a reparação de dano que ele possa ter sofrido por ter sido ilegalmente preterido”, reconhecendo assim ao autor o direito a uma indemnização para reparação de todos os danos que decorram da conduta ilegal inicialmente adoptada pela entidade demandada, estando assim implícito que o facto que origina a obrigação de indemnizar é o acto ilícito que deu origem ao pedido. Referem ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha10, que“a declaração de ilegalidade é requisito prévio da atribuição da indemnização, pelo que o convite do tribunal no sentido de ser definido um montante indemnizatório pressupõe, não apenas a possibilidade de dar cumprimento à sentença, mas também a constatação da procedência de algum dos fundamentos da impugnação”.

 A inexecução de sentenças fundada em causas legítimas traduz a contraposição de dois interesses públicos11:o interesse público que se opõe à execução da sentença e o interesse público que a Administração cumpra as leis e acate as decisões dos tribunais. Quando ocorra causa legítima, é evidente que o primeiro interesse terá que prevalecer sobre o segundo, ficando a administração constituída no “dever automático”12de indemnizar.

No nosso ordenamento jurídico são tradicionalmente consideradas duas causas legítimas, que actuam como pressupostos para a modificação objectiva da instância:

  1. Impossibilidade absoluta da satisfação plena dos interesses do autor, esta não é uma impossibilidade relativa, por ser de dificílimo cumprimento, sendo antes uma situação de impossibilidade objectivade não se conseguir realizar o pedido. Note-se que esta impossibilidade deve entender-se referida apenas às hipóteses de a Administração ser demandada com vista à realização de uma prestação de facto ou de coisa (ou da execução da sentença anulatória vir a implicar uma dessas prestações)13, estando excluídas, por natureza, as acções que tenham por objecto (ou como consequência) o pagamento de uma quantia, pois em relação a elas nunca há impossibilidade absoluta. Tal como refere Diogo Freitas do Amaral14 “deve ser encarada de forma objectiva, como circunstância cujo reconhecimento não envolve a formulação de qualquer juízo valorativo”.
  2. Excepcional prejuízo para o interesse público, e já não apenas um grave prejuízo, como constava do texto inicial do Código, deve ser objecto de um particular cuidado e prudência pelo tribunal, que só deverá fazer funcionar o regime do artigo 45º quando o cumprimento dos deveres a que a Administração seria condenada consubstancie uma lesão enorme de um interesse público relevante, o que não sucede quando estão em causa prejuízos financeiros pela razão de a indemnização devida pela modificação objectiva da instância corresponder, nesses casos, à quantia reclamada na acção de condenação da Administração ao pagamento de uma dada quantia. Trata-se aqui de ponderar os interesses em causa e de considerar prevalecente o interesse público.

Assim, se a administração for condenada a restituir uma quantia ou a indemnizar um prejuízo, há que cumprir a sentença, custe isso o que custar – mas, se se tratar, por exemplo, de cumprir uma ordem judicial de demolição de um edifício ilegalmente construído ao abrigo de uma licença administrativa que foi demandada por um vizinho, e isso implicar, para o erário público, o pagamento de indemnizações vultosíssimas àquelas que aí habitavam ou faziam profissão ou comercia, admite-se que as dificuldades financeiras do cumprimento da sentença ou as consequências que isso teria na satisfação de interesses públicos relevantes, já permitam a conversão desta ao pagamento dos prejuízos sofridos pelo tal vizinho. 15

Assim sendo, havendo uma situação de causa legítima de inexecução de sentença, o que deverá neste momento fazer o juiz? A primeira tarefa que incumbe ao tribunal é averiguar e decidir, no âmbito do processo instaurado, se o pedido do autor é procedente, se tendo em conta os factos provados ele vinga, pois só nesse caso é que a administração estará constituída no dever de satisfazer a pretensão formulada, e só nesse caso o tribunal deverá convidar as partes a acordarem no montante da indemnização devida pelo facto de não se poder realizar o pedido em causa.

 O juiz deve assim convidar as partes a acordarem a indemnização devida. Só depois de as partes acordarem, ou não, o montante deve o juiz proferir sentença, onde se incluirá a menção ao montante devido ao autor, seguindo-se, para o processo de execução para o pagamento de quantia certa, se necessário.

Das duas uma:

  • Se o tribunal reconhecer razão ao autor, quanto à procedência da sua pretensão mas não reconhecer as razões que levam a inexecução legitima da sentença invocada pela Administração, então só lhe resta assegurar que ela cumpre a sentença.
  • Se o tribunal reconhecer razão ao autor, quanto à procedência da sua pretensão, mas reconhece que existe também uma situação de impossibilidade absoluta ou excepcional prejuízo público nesse cumprimento, o tribunal deve “convidar as partes no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida” pelo não cumprimento da prestação em que a autoridade pública estava (ou iria estar) constituída, e pelos demais danos recorrentes da sua actuação ilegal.

 Resta concluir-se dizendo que, a questão da existência ou inexistência dos pressupostos da impossibilidade absoluta ou excepcional prejuízo para a administração é decidida tal como a pretensão do autor, com respeito pelo princípio do contraditório, se necessário com audiência de julgamento e alegações das partes.  As decisões do tribunal nesta matéria, sejam elas quais forem, são passíveis dos recursos que o valor ou a natureza da causa o consentir.

 

Artigo 45º, nrº2

A prorrogação do prazo de 20 dias por mais 40 – até 60 dias no total – pode ser concedida a requerimento das partes, quando for previsível que o acordo das mesma sobre o montante de indemnização devida não está longe de ser alcançado.

 

Artigo 45º, nrº 3

Não se chegando a acordo sobre o montante da indemnização, no prazo supra, o autor regressa ao tribunal para lhe ser aí atribuída a indemnização que lhe deve ser paga.

Note-se que o tribunal só tinha avaliado e julgado sobre a pretensão inicial do autor e, na contestação, sobre a existência de uma situação de impossibilidade ou excepcional prejuízo público no caso do seu cumprimento.

O autor deverá alegar e demonstrar, para que o tribunal na falta de acordo “lhe atribua o montante devido”, no requerimento a apresentar no processo, os elementos de facto e de direito em que fundamenta o seu pedido indemnizatório. Tal como Verá Eiró16, diz-nos que as “razões de direito apenas se prendem com a enunciação do preceito do CPTA que prevê a possibilidade de o autor requerer a determinação do montante da indemnização.”

 Recebido o requerimento, a entidade administrativa demandada é chamada a responder-lhe nos mesmos termos. Ela e, eventualmente, os contra interessados – se já os havia no processo nessa qualidade (na acção administrativa especial) – porque, se eles vierem a tirar vantagem da inexecução da sentença, também pode dar-se o caso de virem a ser considerados responsáveis por uma parte da indemnização devida ao autor.17 

E qual o prazo ele deve requerer a fixação judicial dessa indemnização? A lei nada diz, tendo que concordar Rodrigo e Mario Esteves de Oliveira18, que não vale aqui o prazo geral do artigo 29º (10 dias), porque para o efeito, o autor tem de articular os factos e o direito em que se baseia a sua pretensão (a determinado montante indemnizatório), tento que articular tudo o que haja de factual e juridicamente relevante sobre os danos emergentes e os lucros cessantes que sofreu.

E para tal tarefa o prazo de 10 dias é manifestamente desproporcionado, face aos prazos do nrº 1 e nrº2. Prefere-se portanto, à falta de melhor, o prazo de 6 meses do artigo 170/2. No entanto, o autor poderá sempre servir-se nos termos do nrº5 do prazo substantivo de três anos de prescrição do direito à indemnização.

A perda do direito com fundamento na causa legítima de inexecução da sentença (seja por impossibilidade absoluta,seja o grave/excepcional prejuízo para o interesse público) dá origem a uma obrigação de indemnizar que se aproxima do conceito de justa indemnização. O critério para esta justa indemnização, terá que passar pela ponderação do princípio da igualdade19: o autor, ao propor a acção, incorreu em despesas e fez um investimento dirigido à emissão de uma sentença favorável aos seus interesses e à efectiva execução desta sentença. Estas despesas colocam-no assim, numa situação de desigualdade que deverão ser cobertas por uma compensação, aquando do montante de indemnização.

 

 Artigo 45º, nrº 4

Concluída a fase de instrução, nos termos do nrº 3, deve o tribunal “fixar o montante de indemnização devida”. Sem se prever a necessidade de realização de uma audiência de discussão e julgamento, nem de uma prévia decisão da matéria de facto. No entanto, a sentença que fixa a indemnização há-de conter, no mínimo, uma decisão expressa sobre a matéria de facto invocada e considerada provada e, por outro lado, que a opção pelo processo célere do nrº 4 não prejudica o dever de respeitar as exigência fundamentais do contraditório e da verdade,, nem o direito de qualquer das partes recorrer da sentença proferida (quando o valor ou a natureza o permita).

Assim, a pergunta que se impões é: porque danos deverá a entidade demandada responder? Tal como refere Vera Eiró20, “o montante de indemnização deve ser calculado numa lógica de compensação e não de sanção e decorrente da impossibilidade de inexecução da sentença e não de uma ponderação de eventualidade de sofrimento de danos.”

Assim, trata-se não só de considerar a entidade demandada responsável pelos danos provocados mas também de atribuir ao autor da acção uma “justa indemnização” por lhe ter sido retirada a possibilidade e oportunidade de usufruir dos normais efeitos de uma execução de sentença a seu favor.

 

Artigo 45º, nrº 5

Relativamente a este número, existe uma discussão doutrinal entre a alternatividade ou cumulatividade,  de indemnização devida.

Quanto à alternatividade, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira21, dizem-nos que em vez de optar pelo processo dos números anteriores, o autor pode deduzir, em acção própria, um pedido autónomo de reparação de prejuízos e danos resultantes da actuação ilegal da administração, nos termos da alínea f) ou g) do artigo 37/2. Entendem a possibilidade de propor uma acção administrativa comum é uma alternativa ao requerimento de “atribuição do montante de indemnização devida” pelo facto de inexecução, dizendo ainda que “em vez de optar pelo processo nos números anteriores, o autor pode deduzir, em acção própria, um pedido autónomo de reparação dos prejuízos”.

 Quanto à cumulatividade temos Vera Eiró22 para quem o mecanismo deve ser no sentido de para além de o autor poder acordar no montante de indemnização devida pelo facto de inexecução da sentença, ele poderá ainda propor uma acção de responsabilidade civil para ser ressarcido de todos os danos causados pelo acto inicialmente ilícito (devendo, nesta sede, preencher os pressupostos da responsabilidade civil por acto ilícito).  Ela diz-nos que a leitura correcta deste preceito passa por substituir a expressão “em vez de optar” pela expressão “para além de optar”, já que a opção pela indemnização prevista no âmbito da convolação do processo não preculde a propositura de uma acção comum de responsabilidade civil.

A meu ver o prazo que se dispõe para o efeito, deverá ser o prazo de três anos relativo à prescrição do seu direito indemnizatório a partir do termo do prazo de 20 ou 60 dias a que se refere o nrº2. Entendendo-se que a acção pode ser instaurada a todo o tempo, nos termos do artigo 41/1º CPTA.

 

 

Conclusões:

 

O resultado da aplicação deste mecanismo é uma sentença cuja execução não comporta momentos declarativos, incluído apenas uma fase de execução que segue o processo de execução de pagamento de uma quantia certa.

A situação de impossibilidade ou de prejuízo excepcional deve ser uma situação actual, não podendo assentar em impossibilidades ou prejuízos futuros, que se verificarão à data de uma eventual sentença. Se tal questão se verificar futuramente, ela será tratada em sede executiva, nos termos do artigo 166º e ss. CPTA

Teremos que ter em conta que apenas o pedido inicial é substituído. A causa de pedir que o apoia apenas terá de ser ampliada de modo a sustentar o novo pedido de indemnização. Isto porque, não sendo inicialmente formulado este pedido, naturalmente não foram também inicialmente indicadas as razões de factos de de direito que o sustentam. Assim ao pedido inicial acrescem, como causa de pedir, os factos que impões o dever de indemnizar. 

A indemnização tem natureza civil de reparação e não natureza sancionatória. É, por definição, reparação de um prejuízo ou dano, pela reconstituição natural da situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão e, quando esta restituição não é possível, o pagamento em sucedâneo pecuniário. Os factos que servem de base à indemnização, normalmente, pela natureza das coisas, são factos pessoais do lesado e por isso melhor este do que o tribunal os pode trazer a juízo.

 

1.  VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença?” in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Almedina 2008

2.DIOGO FREITAS DO AMARAL, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo, Almedina

3. Estamos perante a existência de "situações excepcionais que tornam lícita a inexecução de uma sentença,que obrigue, no entanto, a Administração a pagar uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução” definição, dada por Diogo Freitas do Amaral, in Direito Admnistrativo volume IV

4.VASCO PEREIRA DA SILVA, “Todo o contencioso administrativo se tornou de plena jurisdição”, in Cadernos de Justiça administrativa, n.º34

5.MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA , Código de Processo nos Tribunais Administrativos: Estatuto dos tribunais administrativos e fiscais: anotado vol. I, Almedina

7.Vera Eiró, "Que indemnizaçãoo é esta?"in Cadernos de Justiça Admnistrativa, nrº62

8.VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença?” in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Almedina 2008

 9. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código de Processo nos Tribunais Administrativos: Estatuto dos tribunais administrativos e fiscais: anotado vol. I, Almedina

10.MÁRIO AROSO DEALMEIDA, CARLOS CADILHA, comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos

11. VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença?” in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Almedina 2008

12. Mário Aroso de Almeida in Anulação de Actos Admnistrativos e Relações Jurídicas Emergentes

13.MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código de Processo nos Tribunais Administrativos: Estatuto dos tribunais administrativos e fiscais: anotado vol. I, Almedina

14. Diogo Freitas do Amaral in direito admnistrativo, vol IV

15. exemplo dado MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos: Estatuto dos tribunais administrativos e fiscais: anotado vol. I

16.7.Vera Eiró, "Que indemnizaçãoo é esta?"in Cadernos de Justiça Admnistrativa, nrº62

18.MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código de Processo nos Tribunais Administrativos: Estatuto dos tribunais administrativos e fiscais: anotado vol. I, Almedina

19. VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença?” in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Almedina 2008

20.Vera Eiró, "Que indemnização é esta?"in Cadernos de Justiça Admnistrativa, nrº62

21.Vera Eiró, "Que indemnização é esta?"in Cadernos de Justiça Admnistrativa, nrº62

22.MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código de Processo nos Tribunais Administrativos: Estatuto dos tribunais administrativos e fiscais: anotado vol. I, Almedina

23.Vera Eiró, "Que indemnizaçãoo é esta?"in Cadernos de Justiça Admnistrativa, nrº62; VERA EIRÓ, “Quanto vale uma sentença?” in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Almedina 2008

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por monicafradique às 16:22

Sábado, 07.12.13

Mais vale prevenir do que remediar...

Um dos objectivos que pretendiam ser prosseguidos com a reforma do contencioso administrativo consistia em garantir uma tutela jurisdicional efectiva dos administrados face à Administração, consagrada nos artigos 20 n.º 1, e 268, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

 

Este princípio da tutela jurisdicional efectiva determina que todas as pessoas devem poder recorrer aos tribunais quando os seus direitos ou interesses legalmente protegidos são atacados ou ameaçados. Um dos novos meios que surgiu com a reforma do contencioso para assegurar essa tutela efectiva está consagrado no artigo 37, nº 2, alínea c) C.P.T.A., e traduz-se na admissibilidade de pedidos que tenham como objecto a condenação de algum particular ou alguma entidade administrativa à adopção ou abstenção de um determinado comportamento.

 

Com efeito, no anterior regime do contencioso administrativo (pré-reforma) existia como que um monopólio de reacção judicial ex post contra as actuações da Administração. A protecção judicial dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares estava dependente da prática de um acto lesivo por parte da Administração, e só após a prática deste comportamento, podiam os lesados recorrer à tutela judicial.

 

O art. 37 nº 2 alínea c) tem em vista impedir, de forma preventiva, que se pratiquem actos lesivos ilícitos por parte da Administração; pretende-se assim impedir esta prática através da emissão de uma ordem judicial no sentido de obrigar a Administração (ou um particular envolvido numa relação jurídico-administrativa) a abster-se de determinados comportamentos, podendo estes consistir na prática de um acto administrativo, na emissão de norma ou na execução de operações materiais.

 

Distinção deste meio em relação à tutela cautelar

 

A acção administrativa em análise distingue-se da tutela cautelar na medida em que se pretende uma decisão de mérito e uma resolução efectiva de um conflito jurídico; por sua vez, na tutela cautelar consegue-se apenas uma decisão temporária e instrumental face à questão suscitada.

 

Deve também distinguir-se a condenação à abstenção da intimação[1] para a protecção de direitos, liberdades e garantias, também consagrada na reforma do contencioso.

Apesar de ambos se dirigirem à garantia da tutela judicial efectiva, levando à imposição de deveres de abstenção e a pronúncias sobre o fundo da questão, a diferença reside no facto de a intimação só ser utilizada em situações em que é urgente a emissão de uma decisão pelo tribunal sobre o fundo da matéria, de forma a proteger um direito, liberdade ou garantia e não seja suficiente o decretamento de uma providência cautelar. Por outro lado, a condenação à abstenção é um meio não restringido à tutela de direitos, liberdades e garantias e que pode ser conjugado com a tutela cautelar, como analisaremos mais adiante.

 

A opção pela acção administrativa comum

 

Como aponta o Professor Vasco Pereira da Silva[2], a disposição constante do art. 37 nº 2 c) afigura-se algo estranha, uma vez que “o legislador utiliza as expressões condenação e acto administrativo, o que resulta contraditório com o critério adoptado de delimitação de meios processuais”. De facto, como o Professor refere “a acção administrativa especial é o meio processual adequado para o controlo de actos e de regulamentos administrativos, enquanto que a acção administrativa comum é o meio adequado para o julgamento de contratos, de actuações informais e técnicas ou de operações materiais”[3]. Se a pretensão que o particular apresenta à jurisdição administrativa chocasse com o exercício do poder de autoridade da Administração ou com acto ou regulamento administrativos, a acção a interpor seria a especial, se não, seria a comum.

 

Este preceito inspirou-se na vorbeugende Unterlassungskage[4] (acção de abstenção), figura existente no direito processual administrativo alemão.

A Unterlassungsklage é reconduzida à allgemeine Leistungsklage[5], ou seja, ao equivalente germânico da acção administrativa comum, e não à Verpflichtungsklage ,o equivalente germânico à acção de condenação à prática do acto devido, ou à Anfechtungsklage (a acção de impugnação do acto administrativo).

Apesar de a divisão entre a Verpflichtungsklage e a allgemeine Leistungsklage ter como base a mesma divisão entre exercício ou não de poderes de autoridade, a doutrina justifica esta qualificação com o facto de aqui não estar em causa a impugnação de um acto, uma vez que não existe objecto impugnável, mas a condenação à realização de uma prestação de facto negativo[6], um non facere.

 

Para resolver este problema de “concurso” de meios processuais, o Professor Vasco Pereira da Silva defende uma interpretação sistemática do preceito, concluindo que só os pedidos de condenação à abstenção da prática de um acto administrativo podem ter lugar no âmbito da acção administrativa comum[7]. Isto decorre da inspiração germânica ainda que o legislador tenha ido um pouco além do modelo que serve de inspiração na medida em que alarga estas acções a actos administrativos, o que não se verifica no direito alemão e que redunda numa contradição com o critério de delimitação utilizado pelo nosso Código.

 

Assim, conclui o Professor Vasco Pereira da Silva que, de iure condendo, o meio processual adequado seria a acção administrativa especial.

 

O interesse processual qualificado como pressuposto

 

Exige-se com o interesse processual que o autor demonstre perante o tribunal a existência de uma situação de risco em que a probabilidade de ocorrer danos na sua esfera é suficientemente forte para justificar a possibilidade de interpor uma acção preventiva. No entanto, o C.P.T.A. não nos ajuda quanto ao conteúdo do interesse processual exigível neste caso.

A doutrina alemã faz depender, a condenação da Administração a não praticar um acto, da titularidade por parte do autor de um interesse processual qualificado[8]. É casuisticamente que devemos concretizar quais as situações de ameaça da prática de um acto administrativo lesivo que não se compadece com uma tutela meramente reactiva e exige uma tutela preventiva.

O Professor Mário Aroso de Almeida admite que o referido interesse qualificado existirá nas situações em que uma reacção a posteriori trará necessariamente danos irreversíveis. Estes casos podem ser por exemplo, a demolição de uma casa ou o encerramento de um estabelecimento.

Desta forma, a interposição de uma acção de condenação da Administração à abstenção exigiria um interesse qualificado e, portanto, não só se teria que preencher o requisito de interesse processual presente no art.º 39, mas também demonstrar que a espera pela prática do acto não era exigível ao cidadão. Isto poderia acontecer por a lesão já estar a ocorrer ou por a resposta fornecida pela tutela reactiva em conjunto com a tutela cautelar não serem suficientes para dar resposta à necessidade efectiva sentida[9].

 

A aplicação analógica do art.º 39 do C.P.T.A.

 

Para aferir do interesse processual nos casos de condenação à abstenção de comportamentos, a doutrina tem vindo a defender aplicação do art.º 39[10] que, a propósito das acções meramente declarativas ou de simples apreciação, estabelece a exigência da verificação de certos requisitos para o preenchimento do interesse em agir como pressuposto processual.

Assim, considera-se que não pode deixar de ser aplicável o artigo 39 às acções do artigo 37, n.º2, alínea c), in fine. Passamos assim a ter um regime legal como base para aferir da existência de interesse processual.

Neste caso, lendo o artigo 39 com as devidas adaptações, os pedidos de condenação à abstenção de comportamentos podem ser deduzidos por quem invoque utilidade ou vantagem imediata, para si, na declaração judicial pretendida, designadamente por existir uma situação de incerteza de ilegítima actuação da Administração, ou de fundado receio de que a Administração venha a actuar de forma lesiva baseada numa avaliação incorrecta da situação jurídica existente.

 

A não verificação dos pressupostos processuais

 

A acção administrativa comum segue como regime substantivo, o regime constante da lei processual civil. O preenchimento dos pressupostos é, portanto, averiguado ao abrigo do Código de Processo Civil.

A inexistência de interesse processual é uma excepção dilatória, uma vez que corresponde à falta de um pressuposto processual (artigo 576, n.º 2, do CPC). A frustração do preenchimento deste pressuposto implica, como a generalidade das excepções dilatórias, a absolvição do réu da instância (artigos 576, n.º 2, e 278, n.º 1, alínea e), do CPC).

O Professor Miguel Teixeira de Sousa[11] faz, no entanto, uma ressalva à aplicação literal deste preceito. Como o estabelecimento do pressuposto do interesse processual visa, entre outros objectivos, a protecção da contraparte e a economia processual, sempre que seja possível ao tribunal concluir pela improcedência da acção, pronunciando-se sobre a questão de fundo, deve fazê-lo em vez de se limitar a absolver o réu da instância. Se o pressuposto processual visa a protecção da contraparte não faz sentido absolvê-lo se com a improcedência da acção esta obtém um resultado que lhe é mais favorável, graças aos efeitos de caso julgado. Também o princípio da economia processual é melhor prosseguido. Esta ressalva é de aplicar também na acção aqui em questão.

 

Quanto ao prazo, nenhuma especificidade é exigida quanto à interposição desta acção. Como tal e visto que estamos no âmbito da acção administrativa comum, não haverá prazo.

 

Questão diferente já será saber qual o momento a que devemos dar relevância para efeitos de fim de admissibilidade de interposição desta acção, se a prática do acto, a notificação deste ou apenas a publicação. Sendo este, um meio processual criado para prosseguir a garantia de uma tutela judicial efectiva no sentido de total, ou seja, visando cobrir a tutela nos casos em que esta não é assegurada pelos outros meios, a solução preferível será a de: a acção deixar de ser admissível a partir do momento em que outra passa a ser. Esta solução também nos é imposta pela própria natureza da acção administrativa comum como acção subsidiária (art.º 37, n.º1).

 

Quando o acto é praticado durante a pendência da acção

 

Pode acontecer que durante a pendência da acção o acto que se pretende que a Administração não pratique, seja por esta praticado, isto por não ter sido decretado nenhum meio de tutela cautelar e a acção ainda não ter conhecido decisão final transitada em julgado. Nesse caso, gera-se uma situação de inutilidade superveniente da lide que tem como consequência a absolvição da instância. Isto porque, tendo o acto sido praticado, passamos necessariamente para o âmbito da acção administrativa especial, para uma acção de impugnação ou de condenação à prática do acto devido. Essa é uma das críticas ou fragilidades apontadas a esta acção.

 

Tutela Cautelar

 

O art. 112 nº2 f) do C.P.T.A. prevê expressamente a acção com vista a abstenção de uma conduta por parte da Administração. Como analisado no ponto anterior, o facto de não existir uma providência cautelar pode conduzir a que a Administração pratique o acto durante a pendência da acção. A possibilidade de tutela cautelar é, deste modo essencial porquanto permite, nestes casos, aos particulares paralisar a actuação da Administração evitando a continuação da lesão ou a inutilidade da sentença perante factos consumados.

 

Assim, para adoptar uma providência cautelar, tal depende do preenchimento dos critérios de decisão constantes do artigo 120. Tratando-se do artigo 112, n.º 2, alínea f), de uma medida conservatória, terão que se provar os requisitos do artigo 120, n.º 1, alínea b). A possibilidade de interposição de uma providência cautelar preliminar permite ao particular parar o decorrer do procedimento antes mesmo de propor a acção. Essa possibilidade pode ser muito útil nos casos em que já está a ser lesado ou quando o procedimento é especialmente complexo. Obstando também a que a Administração pratique o acto na pendência da acção.

 

Sentença e caso julgado

 

Tratando-se de uma acção que visa impedir certo comportamento, a sentença emitida pelo tribunal caracteriza-se por ser inibitória. Ou seja, a sentença é constituída por uma verdadeira ordem no sentido de obrigar a contraparte a abster-se de adoptar determinada conduta futura.

Ao obrigar à abstenção de determinado comportamento, a sentença está a impedir a Administração de actuar daquela forma. Como tal cumpre esclarecer quais são os limites do caso julgado, uma vez que a sentença não pode ser entendida como vinculando para sempre a Administração a não actuar daquela forma. Podem existir alterações no quadro de circunstâncias de facto ou de Direito que tornem aquela actuação admissível.

 

Os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram a sentença podem aqui relevar, na medida em que se há um esvaziamento posterior destes não fará sentido continuar a obrigar a Administração a não praticar aquele comportamento.

 

Também se deve entender, como o faz o Professor Mário Aroso de Almeida que a sentença terá sempre implícita uma cláusula rebus sic standibus[12], ou seja, o seu caso julgado terá como limites a manutenção das circunstâncias de facto e de direito. Se a lei mudar, se as condições de facto mudarem, aí, na medida da mudança, já não estaremos dentro do caso julgado. Quer-se apenas estabelecer os limites temporais[13] do caso julgado. A alteração de circunstâncias cria uma nova situação na qual a vinculação da Administração a não actuar de determinada forma pode deixar de fazer sentido.

 



[1] Cf. Artº. 109 do C.P.T.A.

[2] Vasco Pereira da Silva,   O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, p. 449

[3] Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, p. 438

[4] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, p.127

[5] Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, p.450

[6] Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, p. 773

[7] Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, p.454

[8] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, p. 130

[9] Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos

Tribunais Administrativos, p. 207

[10] É o caso do Professor Mário Aroso de Almeida que defende tal solução no Manual de Processo Administrativo, do Professor Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise (p.474) e do Professor Vieira de Andrade, Justiça Administrativa (p.184).

[11] Miguel Teixeira de Sousa, O interesse processual na acção declarativa, p.39.

[12] Como indica a Professora Isabel Alexandre na sua tese de doutoramento “A doutrina da cláusula rebus sic stantibus expressava, no direito comum, a ideia de que a manutenção de um contrato de longa duração depende da não alteração das circunstâncias que foram decisivas para a sua conclusão de um modo tal que o seu escopo principal não possa mais ser atingido, devendo, portanto, considerar-se subentendida nesses contratos uma cláusula desse teor;” esta doutrina foi trespassada para o processo civil e, como constatámos, consequentemente também para o contencioso administrativo.

Também no regime das providências cautelares, diz-nos a Professora que “indicia também que a alteração das circunstâncias deve poder repercutir-se tanto na decisão condenatória como na absolutória. Com efeito, o artigo 124º, n.º 1, do CPTA permite que a decisão tomada no sentido de adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares seja revogada, alterada ou substituída na pendência da causa principal, com fundamento na alteração das circunstâncias inicialmente existentes.”

[13] Os limites temporais do caso julgado prendem-se com a possibilidade de consideração de factos ocorridos em momento posterior à data do encerramento da última discussão.

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por Raquel Dias às 15:50

Sábado, 07.12.13

Breve consideração sobre os meios de prova no Contencioso Administrativo, em específico o art.º 90 nº2 do CPTA

 

 

Regime anterior

 

Na anterior L.P.T.A. (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), no que respeita aos recursos contenciosos, funcionava uma dualidade de regimes probatórios[1].Assim, caso o processo seguisse a tramitação prevista no Código Administrativo ou no Regulamento do STA, a tramitação relativa à prova seria distinta. Se existisse um litígio que tivesse por objeto actos da administração locale portanto tramitasse de acordo como o Código Administrativo, os recursos contenciosos da administração local obedeceriam à elaboração de especificação e questionário quando subsistissem factos controvertidos, com a posterior abertura de uma fase de instrução, em que seriam admitidos quaisquer meios de prova, incluindo a testemunhal (art.º 845 e 847 do Código Administrativo)

 

Caso estivéssemos perante um litígio que envolvia a administração direta ou indirecta do Estado, os meios de prova estavam consideravelmente mais diminuídos na medida em que existia a regra da proibição de prova testemunhal, independentemente da respectiva competência contenciosa pertencer aos tribunais administrativos ou ao Supremo Tribunal Administrativo (art.º 12 e 25).Havia neste último caso, uma limitação considerável na admissibilidade de produção de prova, cingindo-se em muitos casos, à comprovação documental dos factos que necessariamente teria de ser obtida por via do processo instrutor e de quaisquer documentos juntos pelo recorrente ou que proviessem de diligências complementares efectuadas por iniciativa do relator art.º 56, 61 e 68 do Regulamento do STA.

 

Existia claramente uma diferenciação do regime probatório. Podem ser apontados variados factores[2] que expliquem esta dualidade probatória: a origem do acto praticado, melhor, a autoridade administrativa que tivesse praticado o acto recorrido (factor que também influenciava a distribuição da competência contenciosa entre tribunais) e a própria diligência processual que pretendia eximir os tribunais superiores dos inconvenientes que a admissão genérica da prova testemunhal, com a consequente necessidade de remessa do processo ao tribunal administrativo de 1ª instância para efeitos de instrução.

 

Regime Actual

 

O CPTA foi objecto de uma profunda alteração quanto à admissibilidade de meios probatórios, afastando, clara e inequivocamente, o regime que anteriormente estava vertido no art.º 12 da L.P.T.A. Uma breve análise do art.º 90 nº2 do CPTA permite-nos verificar precisamente esta “libertação de constrangimentos” quanto ao regime probatório através da remessa para o disposto na lei processual civil:

 

“ (…) Artigo 90.º Instrução do processo

 

2 - O juiz ou relator pode indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando o considere claramente desnecessário, sendo, quanto ao mais, aplicável o disposto na lei processual civil no que se refere à produção de prova. (…)”

 

Podemos então depreender que é admissível no âmbito da acção administrativa especial, a utilização de qualquer dos meios de prova que se encontram previstos no Código de Processo Civil, aí se incluindo tanto a prova documental, como a prova testemunhal, pericial ou por confissão de partes. Quanto à acção administrativa comum art.º37 e ss do CPTA, a remissão em bloco para o regime processual cível demonstra também a ampla possibilidade de utilização de regimes probatórios na tramitação desta acção.

 

 

 

 

 

Assim, neste novo contexto probatório, o art.º 90 nº2 do CPTA pretende abranger todo o leque de produção de prova colocando entraves a expedientes dilatórios.O juíz deve providenciar pelo  andamento regular e célere do processo, que já se encontrava consignada, em termos gerais, no art.º 265.º n.º1 do CPC, onde também se prevê a possibilidade de julgador afastar o que for dilatório.

 

A primeira conclusão que se impõe retirar face ao princípio da livre admissão de provas é que ele se torna aplicável a qualquer dos pedidos dedutíveis através da acção administrativa especial, independentemente do tipo de procedimento a que respeite o acto administrativo praticado, omitido ou recusado e da maior ou menor complexidade das formalidades a que se encontrevinculado. Nesta matéria, precisamos de recorrer ao CPA que regula, em termos gerais, o procedimento administrativo. As disposições do CPA são supletivamente aplicáveis aos procedimentos especiais, desde que não envolvam a diminuição de garantias art.º 2 nº7 in fine. Contudo, o CPA prevê princípios chave a que devem obedecer os trâmites, formalidades e actos de qualquer procedimento. Assim, a noção de especialidade não pode ser referida por contraposição a um procedimento tipo, mas será antes caracterizada pelo exercício de determinada competência que, enquanto tal, se encontra regulada em normas procedimentais próprias[3].

 

 

Outra conclusão diz respeito à averiguação oficiosa da Administração. Um dos princípios cruciais do contencioso administrativo que deve ter sempre aplicação em qualquer procedimento e mesmo nos procedimentos especiais, é aquele que se refere ao dever de averiguação oficiosa que em qualquer circunstância incumbe à administração.

Nos termos deste dispositivo mesmo que o interessado não faça prova do facto que alegue, uma vez que é aquele que alega o facto que tem o ónus de o provar art.º 342 nº1 do CC, a Administração continua a ter o dever de proceder a diligências instrutórias que permitam conduzir à justa decisão do caso.

 

Por sua vez, os factos que tenham servido de base à formação da Administração que culmine num determinado procedimento administrativo, são susceptíveis de ser arguidos de erro nos pressupostos de facto, quando se verifique não ter qualquer correspondência com a realidade, dando a possibilidade a que um particular, mediante o recurso a um tribunal administrativo, possa reagir contra o acto desfavorável mediante um pedido de anulação ou de condenação à prática de acto devido.

E é somente agora através dos diversos meios de prova admissíveis, em processo civil, a que o citado art.º 90 nº2 do C.P.T.A dá agora possibilidade, que será possível trazer ao processo jurisdicional as informações que permitam ao juíz tomar posição sobre a realidade dos factos quando eles se tornem controvertidos.

 

O tribunal administrativo terá sempre de exercer os seus poderes de pronúncia no respeito pelo princípio da separação dos poderes, regra essa demonstrada pelo art.º 3, n.º1 do CPTA Isso significa que os tribunais administrativos não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, já por não terem carácter jurídico, mas envolverem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua actuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa[4]. Mas há naturalmente exceções. Assim, será quando o que está em causa é a própria exactidão dos factos em que a Administração fundou a sua decisão para produzir um acto administrativo, visto que é esse um aspecto vinculado de toda e qualquer actuação administrativa que o tribunal está vocacionado para sindicar e que poderá, portanto, sindicar através dos meios de prova que lhe forem apresentados.

 

Concluímos no sentido de que o art.º 90 nº2 do CPTA ao admitir genericamente qualquer meio de prova, permitiu uma evolução clara no sentido da descoberta da verdade material e da tutela das posições jurídicas dos particulares.

 

Bibliografia consultada:

 

 

  • Carlos Alberto Fernandes Cadilha, A prova em contencioso administrativo- anotação ao Ac. do TCA Sul de 14.11.2007, P. 2982/07 in Cadernos de Justiça Administrativa nº 69 Maio/Junho 2008;

 

  • Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., revista e actualizada, Almedina, 2005;
    • Mário Aroso de Almeida/ Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, 3ª edição, Almedina, 2007;

 

  • Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves/João Pacheco Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed, Coimbra;

 

 

  • Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2005.

 

 

 

 

Trabalho realizado por Francisco Rodrigues nº 20904; subturma 4; 4º ano



[1] Carlos Alberto Fernandes Cadilha, pag 41, ob cit;

[2] Carlos Alberto Fernandes Cadilha, pag 44, ob cit;

[3] Mario Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/João Pacheco Amorim, pag 78-79, ob cit;

[4] Carlos Alberto Fernandes Cadilha, pag 44, ob cit;

 

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por contenciosoadmin às 15:42

Sábado, 07.12.13

Breves considerações sobre o art.100º/2 CPTA

 

O artigo em causa insere-se no âmbito do contencioso pré-contratual. Caracterizando-se por ser um processo urgente, destaca-se como seu principal objectivo, a resolução célere de quaisquer problemas ou dúvidas quanto à legalidade do processo pré-contratual que possam afectar o contrato. Deste modo, resolução dessas problemáticas deverá acontecer, preferencialmente, antes da celebração do contrato de modo a evitar que a Administração fique vinculada a um contrato com vícios.

Segundo o artigo 100º/1 CPTA este meio processual destina-se à impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos porém, estabelece o mesmo que só terá aplicação quando em causa estejam certos tipos de contratos, nomeadamente, contratos de empreitada e concessão de obras públicas, assim como contratos de prestação de serviços e fornecimento de bens.

Por sua vez, o nº2 do presente artigo alarga o âmbito de aplicação do meio processual, estabelecendo a possibilidade de impugnação de documentos concursais, dando desde logo o exemplo do caderno de encargos.

 

Ora, as nossas considerações vão no sentido da (eventual) admissibilidade neste artigo, de uma figura idêntica à aceitação do acto administrativo, prevista no artigo 56.º CPTA.

Temos aceitação do acto como uma manifestação de concordância com o conteúdo do acto, autónoma de quais as razões que levaram o sujeito a aceitar a situação em causa. Sendo que a mesma pode ser expressa ou tácita, regulando o 56º/2 que haverá aceitação tácita se em causa estiver um “facto incompatível com a vontade de impugnar”.

Com isto, e atendendo a que, com a apresentação de propostas, estão os concorrentes implicitamente a aceitar aquele caderno de encargos, vem levantar-se a questão de uma possível interpretação restritiva do artigo 100º/2 para que, nos permitisse ler o artigo da seguinte forma “Também são susceptíveis de impugnação directa, ao abrigo do disposto na presente secção, o programa, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de formação dos contratos mencionados no nº anterior, designadamente com fundamento na ilegalidade das especificações técnicas, económicas ou financeiras que constem desses documentos”desde que, não tenha existido aceitação desse documento concursal ou, havendo, tenha o particular formulado uma reserva.  


Como argumentos contra esta posição prevêem-se, desde logo, o facto de o legislador não ter regulado expressamente essa figura no âmbito deste meio processual. 

Outro contra-argumento será, possivelmente, a existência do artigo 51º/3 CPTA: “Salvo quando o acto em causa tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento e sem prejuízo do disposto em lei especial, a circunstância de não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final”. Quanto a este cabe refutar afirmando que, a aceitação de um caderno de encargos faria somente a impossibilidade de impugnação desse caderno de encargos, não pondo assim em causa a possibilidade de impugnação do acto final.

Uma outra ideia que poderá surgir está relacionada com a prática social que se vive actualmente nos procedimentos da contratação pública. Ora, não se pode recusar a figura da aceitação neste artigo defendendo que a mesma é inexequível porque, na prática, nenhum particular reclama de vícios no caderno de encargos logo no início, ainda que os conhecendo, por ter receio das consequências, mais propriamente das possíveis represálias de não ser escolhido precisamente por ter recorrido logo para tribunal.

Perante uma aplicação da figura da aceitação neste regime, o argumento supramencionado não releva, pelo seguinte: perante uma situação de um concorrente que quer proceder à apresentação de uma proposta, mas sabe que o documento concursal possui erros, existirá uma de três vias possíveis: um – concorrente apresenta a proposta e nada diz quanto aos erros; dois – concorrente apresenta a proposta e reclama logo nessa sede dos erros do documento; três – concorrente apresenta proposta mas estabelece uma reserva sob o direito de poder impugnar o documento ainda que esteja a submeter a sua proposta.

Quando um concorrente elabora a sua proposta, fá-lo de acordo com o caderno de encargos. Ora, se faz a proposta conforme os termos do caderno significa que está a aceitar esses termos, ainda que implicitamente. Assim sendo, não poderá depois impugnar o documento com o qual, à partida, até concordou; sob pena de existirem situações em que concorrentes não reclamam quando sabem do erro e só o fazem posteriormente porque não foram os escolhidos para a adjudicação. Ora, a meu ver, esta atitude demonstra uma falta de lealdade para com os outros concorrentes.

Atente-se desde logo em duas situações: um concorrente que redige a proposta mas alerta a Administração para a existência de erros no documento concursal e, um outro concorrente que apresenta a proposta mas nada diz, reclamando dos erros existentes no documento concursal após a decisão de que não foi escolhido. Qual o concorrente que merecerá mais protecção? O primeiro que alertou a Administração e zelou pelo interesse público e pelo principio da transparência e da legalidade, mas que poderá ter sido mal interpretado pela Administração e por isso não adjudicado ou, o segundo concorrente que sabe dos erros mas guarda tal conhecimento na esperança de ganhar pontos com essa falta de honestidade mas, tendo um plano de reserva - para o caso de não adjudicado - que consiste na interpelação da Administração do erro deles, do qual ele sempre soube, que perturbará todo o procedimento. 

 

Por fim, cabe referir que, uma vez que o artigo 100º/2 visa limitar a discricionariedade da Administração na fase procedimental e de formação do contrato, para que desse modo se possa concluir com certeza pela legalidade dos contratos públicos vigentes e de que a feitura dos mesmos se regeu por princípios constitucionalmente consagrados, como o princípio da igualdade, transparência e prossecução do interesse publico.

Concluindo, o argumento anteriormente referido parece ser o único capaz de nos demover da aceitação de uma leitura do 100º/2 conforme o 56º/2 CPTA, desde logo porque se demonstra crucial controlar a discricionariedade da Administração. Por outro lado, demonstra-se necessário proteger a Administração de particulares mal-intencionados que só colocam em causa os documentos concursais e assim, o procedimento por suas propostas terem sido excluídas ou preteridas. 



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por Mariana Pereira às 00:15

Sábado, 07.12.13

Breves considerações sobre o art.100º/2

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por Mariana Pereira às 00:14



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