Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Blog de Contencioso Administrativo



Sexta-feira, 06.12.13

Decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA

 

Proc. nº. 111/666YZ

Proc. nº 111/666AB

Acção Administrativa Especial de Impugnação de normas

 

Data: 6-12-13

Autores: Ministério Público; Noé das Arcas

Réus: Ministério da Agricultura e do Mar; Companhia Carris de Ferro de Lisboa, SA.

 

Assunto: Sentença

 

Lisboa, 6 de Dezembro de 2013-12-06

 

A oficial de Justiça,

 

 Ana Arial Calibri

 

 

 

Do Pedido do Ministério Público contra o Ministério da Agricultura e do Mar

 

Proc. nº 111/666YZ

I – Relatório

 

O Ministério Público veio interpôr uma acção administrativa especial contra o Ministério da Agricultura e do Mar. Contra a Ré, o Autor formula um pedido de declaração de ilegalidade do Regulamento do Animal Doméstico.

A acção destinou-se a efetiva declaração de ilegalidade do Regulamento do Animal Doméstico (RAD), aprovado pela Portaria n.º 313/2013.

            Alega o Autor, Ministério Público, em primeira mão, que o regulamento deveria ser impugnável, por se encontrar viciado de incompetência absoluta, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea b) C.P.A., considerando que à luz do art.º 16-A/1, do DL 86-A/2011, com as alterações introduzidas pelo DL 119/2013, de 23 de Agosto, que seria competente o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e da Energia. Alega igualmente que o regulamento seria nulo pelo facto de não ter sido acompanhado de nota justificativa fundamentada (art.º 116.º C.P.A), tratando-se igualmente de um regulamento que impõe sujeições deveres e encargos, devendo dar lugar à audiência dos interessados (art.º 117 CPA), pelo facto de não verificarem qualquer razão de interesse público para preterir a mesma, considerando estar em causa o princípio da imparcialidade, reforçando a ideia de que numa fase prévia à aprovação do regulamento, deveria o seu projeto ter sido submetido a apreciação pública, por força dos arts. 118.º CPA e art.º 267.º, n.º 5 CRP, sendo que a não verificação daqueles pressupostos gera a nulidade do respectivo regulamento. Acresce ainda o facto de o A. considerar que o regulamento consubstancia uma intromissão desproporcionada na vida privada dos cidadãos, gerando uma violação do art. 266.º, n.º 2 CRP e do art.º 5.º, n.º 2 CPA.

Por sua vez, o Réu, o Ministério da Agricultura e do Mar, defendendo primeiramente que seria absolutamente competente de acordo com o artigo 17.º, n.º 2 da Lei Orgânica do Governo (LOG), na medida em que o Ministério da Agricultura e do Mar compreende a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), remetendo para o artigo 16.º-A DL 7/2012 de 17 de Janeiro, demonstrando que a DGAV se encontra sobre a alçada do Ministério da Agricultura e do Mar, sendo este absolutamente competente em razão da matéria.

Reconhece que não consta do Regulamento uma nota justificativa fundamentada (art. 116.º CPA), demonstrando no entanto que tal não obsta à validade do RAD, visto que o seu efeito será de mera irregularidade, suscitando meras consequências disciplinares, demonstrando que “Os regulamentos irregulares produzem os seus efeitos principais como se fossem legais, mas a irregularidade por acarretar consequências disciplinares para o titular do órgão com competência regulamentar”(V. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, pp. 269-270). Demonstra igualmente que houve um suprimento da audiência dos interessados (art.º 118 CPA), por força de razões de interesse público, dada a urgência do processo motivada pela estirpe A-378, articulando por isso com o regime do artigo 103.º, n.º1, alínea a) CPA.

 

 

II – Fundamentação de Facto

II – A) Factos Provados

 

Com interesse para a causa, consideram-se provados os factos seguintes:

 

  1.  A organização ambientalista “Amor Animal” (ONG), pessoa colectiva n.º 639885302, com sede na Rua Zoológico, nº4, 1740-107, Lisboa, veio solicitar ao Ministério Público a sua intervenção de modo a requerer a impugnação do Regulamento do Animal Doméstico, por já ter sido alertada quanto à ambiguidade das questões por este levantadas.
  2.  O Ministério da Agricultura e do Mar aprovou no dia 1 de Outubro de 2013 o Regulamento do Animal Doméstico
  3.  O Ministério da Agricultura e do Mar não ouviu as entidades incumbidas de representar os interesses em causa.

 

II- B) Motivação da decisão de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento. Em particular, o Tribunal baseou a sua convicção relativamente aos factos considerados como demonstrados, na apreciação conjugada do depoimento das testemunhas e, de acordo com as regras da experiência comum.

A R. procedeu efetivamente à realização de estudos de base-técnico científica, recorrendo a pareceres de peritos na área da higiene e saúde veterinária, facto que foi dado como provado pelo Tribunal através dos depoimentos das testemunhas Cristiano Reinaldo Aveiro, Frederica Hayek, Emanuel Kant e Carlota Mil-Cães, todas arroladas pelo A., cujos depoimentos, não obstante de criticarem o conteúdo do estudos em causa, reconheceram a sua existência. De salientar a importância do depoimento da Ministra Assunção Pistas, arrolada oficiosamente, que demonstrou tanto a origem dos respectivos estudos, bem como todas as fases que antecederam a sua produção. Importará igualmente observar o documento 2 anexo à contestação, no qual constava um estudo elaborado no âmbito daquela matéria, revelando-se as testemunhas extremamente úteis para corroborar o respectivo conteúdo.

No seguimento da aplicação do Regulamento em causa, a limitação do número de animais que poderão habitar nas frações autónomas de prédios urbanos poderá acarretar determinadas consequências, nomeadamente, o abandono dos animais.

As declarações prestadas pela testemunha Carlota Mil-Cães, pareceram-nos credíveis na parte em que demonstrou os efeitos actuais que já se verificam quanto ao abandono dos animais, enumerando os vários casos que têm sido reportados, levando o Tribunal a aferir que tal situação estará intrinsecamente ligada ao Regulamento em questão.

Ficou provado que, durante o processo da feitura do regulamento, se verificava uma situação de grave disseminação do vírus A-378, o que ficou comprovado pelo documento entregue pela R. em sede de audiência, na qual consta o número de casos registados com a estirpe A-378, tendo esse documento sido corroborado pela Ministra Assunção Pistas. Deverá no entanto ter-se em conta que, dado os depoimentos das testemunhas Cristiano Reinaldo Aveiro, Frederica Hayek, Emmanuel Kant e Carlota Mil-Cães, devido às funções que exercem, e ao conhecimento de facto que a priori terão da matéria em causa, não foi permitido ao Tribunal concluir se a estirpe em análise pode ou não contagiar seres humanos.

Ficou igualmente provado que a Administração não dispõe dos meios necessários para proceder ao controlo e fiscalização rigorosos para garantir o cumprimento do Regulamento, manifestando-se bastante relevante o depoimento da Associação “Amor Animal”, representada pela sua Presidente Ana Raquel Martins Gonçalves, cujas considerações foram tidas como credíveis e fundamentadas, ao demonstrar que, para garantir a aplicação do Regulamento, seria necessária a contratação de um número duplamente superior ao actual efectivo da Administração, levando o Tribunal a concluir no sentido acima indicado.

 

III – Fundamentos de Direito

                                                        

A acção especial administrativa de impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão, prevista nos arts. 72.º ss. CPTA, consubstancia a “criação de mecanismos processuais para controlar a validade dos regulamentos e proteger os direitos dos indivíduos, por eles afectados” sendo “aplicável a todas as actuações jurídicas gerais e abstractas, ou que possuam apenas uma dessas características, emanadas de autoridades públicas ou de particulares que com elas colaborem, no exercício da função administrativa” (Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, pp. 414-415). Para a ação aqui em análise, será igualmente relevante dar nota de que “a invalidade do regulamento pode resultar da violação das disposições constitucionais – uma vez que as normas e os princípios da lei fundamental integram a noção ampla de legalidade (…) -, e esta pode ser conhecida através do processo de impugnação de normas (…). Tratar-se-á, nesse caso, de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas administrativas (artigo 280.º da Constituição), que é realizada pelo Tribunal Administrativo competente” (Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, pp. 427-428).

Observando a Lei Orgânica do Governo (alterada pelo DL 119/2013), nomeadamente o artigo 17.º, n.º 2, que dispõe: “O Ministério da Agricultura e do Mar compreende os serviços, organismos, entidades e estruturas identificados no Decreto-Lei n.º 7/2012, de 17 de janeiro, sem prejuízo das transferências para o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia nos termos do artigo 16.º-A”, remetendo por isso para o Decreto-Lei n.º 7/2012 de 17 de Janeiro, que prevê no seu artigo 4.º, n.º 1 al. d) e art.º 13.º a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), sendo que uma das suas competências, insere-se na matéria do regulamento em análise, não tendo sido verificada a transferência deste serviço para a esfera do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia nos termos do art.º 16-A, pelo que, o Ministério da Agricultura do Mar seria claramente competente em razão da matéria, não sendo procedidos quaisquer argumentos que coloquem em causa a competência absoluta em razão da matéria.

Quanto à ausência de nota justificativa fundamentada, que viola o disposto no art. 116.º CPA, é claro que a sua violação não possuirá como consequência a nulidade do regulamento, mas apenas a sua irregularidade “pelo carácter meramente interno da formalidade preterida” (Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, pp. 269), não obstante de poder gerar determinadas consequências disciplinares para o titular do órgão com competência regulamentar, não sendo no entanto fundamento para julgar da ilegalidade do regulamento.

No caso em análise foi igualmente verificada a ausência da audiência dos interessados (art.º 117 CPA), tendo o Ministério da Agricultura e do Mar arguido no sentido de que preteriu essa fase do procedimento regulamentar, por razões de interesse público. Ora, a lei configurou a audiência dos interessados como obrigatória apenas nos procedimentos que visem a adopção de regulamentos desfavoráveis para os seus destinatários, devendo o órgão com competência regulamentar ouvir as entidades representativas dos interesses afetados pelo regulamento, sendo que a audiência só não terá lugar se ocorrerem razões de interesse público devidamente fundamentadas, ora, a lei não densifica essas razões, devendo ser efetuada uma articulação com o art.º 103.º CPA. Verificando o art. 103.º CPA, e tendo em conta o caso em análise, importa ter em conta que a audiência dos interessados é um instituto concretizador de um princípio constitucional, logo, e pela sua sublime importância, “só pode considerar-se existir urgência se a decisão final tiver que ser tomada em prazo incompatível com a duração mínima da audiência dos interessados, que é de oito dias (art.º 102.º, 1 CPA)” (Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, pp. 137). Analisando o caso concreto, observamos que esta fase procedimental não foi observada, e que, apesar do número crescente da estirpe A-378, considera o Tribunal que o prazo de oito dias para audiência dos interessados seria razoável e de extrema relevância para assegurar a prossecução do interesse público, tendo tal situação como consequência a invalidade do regulamento em análise, sendo de sublinhar no entanto que “a falta de audiência dos interessados não gera a invalidade da decisão final quando (…) estando em causa uma conduta vinculada, o Tribunal apure que o acto não padece de qualquer outro vício e conclua que a decisão administrativa não poderia ter sido outra que não aquela que foi efetivamente tomada” (Ac. STA, 26/4/2006, Proc. 01275/05), sendo certo que a violação de um princípio constitucional (art.º 267.º, n.º 5 CRP) não poderá nunca ser visto como mero vício, sendo que esta análise será colmatada posteriormente ao próximo ponto.

Naquilo que concerne à violação do princípio da proporcionalidade (art.º 5.º, n.º 2 CPA e art.º 266.º, n.º 2 CRP), importa primeiro reter que este princípio é aquele que possui o mais apurado parâmetro de controlo da atuação administrativa ao abrigo da margem de livre decisão, sendo comummente como um princípio que se desobra em três categorias (Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I), a saber: a categoria da adequação, que proíbe a adopção por parte da administração de condutas inaptas ao fim que pretendem prossecuir; a categoria da necessidade que proíbe a adoção de condutas administrativas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que se pretende atingir; e a categoria da razoabilidade, que proíbe que os custos da actuação administrativa na solução de determinado caso sejam superiores aos benefícios recolhidos. Observando o caso em análise, poderia ser discutido o critério tanto o critério da adequação, dado que, como foi acima verificado, não foi concretizada a possibilidade de contágio da estirpe A-378 para os seres humanos, estando igualmente em causa a dimensão da razoabilidade, que foi densificada, sendo o seu controlo efectuado através da figura do erro manifesto de apreciação, que se verifica quando a administração proceda a uma qualificação errónea de determinada realidade fáctica (no caso, a propagação da estirpe A-378) que resulta no facto de “nem o erro poder ser coberto pela margem de livre decisão nem a conduta administrativa, com base no princípio da separação de poderes se pode considerar como imune ao controlo jurisdicional” (Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I), ora, no caso concreto, e tendo em conta a natureza da matéria regulada, não ficou demonstrada a necessidade de tal regulação, nem concretizadas quais as verdadeiras implicações da estirpe em causa, e que, segundo a Ré, a motivou à elaboração do RAD.

Da exposição efectuada acima, será possível concluir que o Regulamento em análise viola o princípio da proporcionalidade (art.º 5.º, n.º 2 CPA e art. 266.º, n.º 2 CRP) e preteriu ilegalmente a audiência dos interessados, violando o disposto no art.º 117.º CPA e 267.º, n.º 5 CRP.

 

 

IV - Decisão

         Face a tudo o que atrás se disse e considerando as normas legais citadas, julga-se procedente a presente acção e, em consequência: declara-se a ilegalidade com força obrigatória geral do Regulamento do Animal Doméstico (aprovado pela Portaria n.º 313/2013).

 

 

Proc. Nº111/666AB

 

I- Relatório do litígio que envolve o autor e o Ministério da Agricultura e Mar

 

Noé das Arcas, melhor identificado nos autos, veio interpôr, nos termos dos artigos 46.º e ss do C.P.T.A., ação administrativa especial, na modalidade de impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão contra o Ministério da Agricultura e do Mar (melhor identificado nos autos) e contra a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A. Contra a primeira Ré foram cumulados dois pedidos, o primeiro visou a desaplicação da norma e declaração da ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto relativo ao regulamento do "animal doméstico" aprovado pela portaria n.º 313/2013.O segundo pedido consiste na condenação da Administração Pública ao pagamento de uma indemnização no valor de 10.000€

Contra a segunda Ré, a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A, formulou duas pretensões, cumulando-as: uma, requerendo a abstenção da conduta da Ré CC. S.A., com base no art. 37/3 do CPTA; outra, referente ao ressarcimento de danos, no valor de 10.000€, causados por um acidente com um eléctrico da referida Companhia, e, bem assim, por dispêndios que teve pela necessidade de adoptar outro meio de transporte.

 

Vejamos, em síntese, o que o Autor alegou no articulado.

 

Primeiro, quanto ao pedido de desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto nos termos do art.º 73/2 C.P.T.A.

O autor alega quatro inconstitucionalidades de que padeceriam o dito regulamento. Alega a inconstitucionalidade formal do “regulamento do animal doméstico” aprovado pela portaria 313/2013 de 22 de Outubro por falta de indicação expressa de lei habilitante. Alega, em segundo lugar, a inconstitucionalidade do normativo por constituir violação ao direito fundamental ao ambiente, nomeadamente ao art.º 66 da CRP. O regulamento estaria viciado por inconstitucionalidade material, uma vez que o nº2 do artº1 e o art.º 8 do regulamento em análise representariam uma clara e inequívoca violação do direito fundamental de todos os cidadãos ao ambiente. Em terceiro lugar, alega a inconstitucionalidade material do regulamento por violação do direito fundamental à integridade pessoal. Em causa estaria o art.º 12 do mesmo regulamento. Por último, alega a inconstitucionalidade do dispositivo, no seu art.º 12, pois violaria o direito à autodeterminação da imagem exterior.

 

Segundo, quanto ao pedido de indemnização cível. No entender do autor, verifica-se um caso de responsabilidade civil extracontratual por parte da Administração. Para tanto, invoca os dispositivos do art.º 483 do Código Civil e aos artigos 7.º e 8.º da Lei nº 67/2007 referente à responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades Públicas.

 

Vejamos, sumariamente, a defesa da Ré Ministério da Agricultura e do Mar.

 

A Ré alega a aprovação do regulamento com norma habilitante prévia, norma esta, que na sua perspetiva, foi objeto de retificação da norma habilitante, publicada, em data posterior, em Diário da República. Nega a existência de danos na esfera jurídica do autor, fruto da aprovação do regulamento, bem como a inexistência de nexo causal entre o despedimento do Autor e a elaboração do regulamento pelo ministério. Defende a inexistência de violação, por parte do regulamento ora em análise, do direito fundamental do autor ao ambiente, à integridade pessoal e à imagem.

 

Atentemos de forma sumária à defesa apresentada pela Ré Companhia Carris de Ferro de Lisboa, SA.

A Ré CC S.A. defendeu-se, afirmando que apenas cumpria o regulamento, estando a sua acção em conformidade com as exigências legais, e negando a envolvência no acidente alegado pelo autor.

 

II- Saneamento

 

A instância mantém-se válida e regular.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

 

III- Dos Factos Provados relativamente à pretensão do Autor contra a Ré Ministério da Agricultura e do Mar

 

 

Tal como constou do despacho saneador e com relevância para a decisão da presente causa ficaram provados os seguintes factos:

 

1) O autor habita na Rua Serpa Pinto, nº 15, 3º Dto., fração autónoma de duas assoalhadas e com uma cascata.

 

2) No dia três de Novembro de 2013, o autor foi impedido de entrar no elétrico 28, carreira assegurada pela Ré, Carris, S.A.

 

3) O autor transportava consigo, no momento em que pretendia entrar no elétrico, dois cães.

 

4) O condutor do elétrico, João Galhofinho, impediu o autor de entrar no dito meio de transporte, justificando tal conduta com a aplicação do novo regulamento dos animais domésticos.

 

5) O autor caiu junto do elétrico, sofrendo alguns danos.

 

6) O autor foi despedido do seu trabalho com base em faltas injustificadas.

 

 

IV- Decisão sobre a Matéria de Facto quanto à pretensão do Autor contra a Ré Ministério da Agricultura e do Mar.

 

No âmbito da fase de instrução realizada no dia 28 de Novembro de 2013 tendo em vista, nos termos do art.º 513 do C.P.C a produção da prova dos factos controvertidos ou necessitados de prova, foram dados como provados os seguintes factos constantes da base instrutória.

 

7) O Autor habita com 4 macacos, 4 gatos, 4 cães, 4 periquitos, 4 araras, 4 hamsters, 4 tartarugas, 4 cobras de água, 4 lagartos, e um conjunto de insetos.

 

8) O condutor do elétrico. o Sr. João Galhofinho, invocou diferentes motivos para vedar a entrada do autor no dito meio de transporte. Assim, não foi somente o cumprimento da circular interna da empresa que proibia tal conduta que pesou na decisão do Sr. João Galhofinho. A sua animosidade relativamente a animais domésticos, provada por testemunhas oculares arroladas pelo Autor e não contraditas pela Ré, foi também determinante para impedir o autor de entrar no dito transporte.

 

9) O autor desenvolveu uma depressão nervosa depois de tomar conhecimento da aprovação do regulamento. Tal como foi provado, pelo depoimento da testemunha Américo Freud. Depoimento este, que não foi contraditado, pela parte contrária.

 

10)O condutor do elétrico, Sr. João Galhofinho, impediu o autor de entrar no dito meio de transporte, justificando tal conduta com a aplicação do novo regulamento de animais domésticos.

 

 

Não se logrou provar que:

 

11) Os cães com quem o autor, se fazia acompanhar, no momento em que pretendia entrar no elétrico, no dia 3 de Novembro de 2013, eram de pequeno porte.

 

12) Os cães eram transportados para caixas próprias para o efeito.

 

13) Os cães estavam açaimados, quando o autor, pretendeu entrar no elétrico.

 

14) O autor só estava acompanhado pelos cães.

 

15) O elétrico se encontrava próximo do limite da sua capacidade de utilização.

 

16) Outros utentes procuravam entrar na carreira, ao mesmo tempo que o autor.  

 

17) Durante o restante mês de Novembro, foi o autor impedido de entrar nos transportes da Carris porque se apresentou com animais em condições que não permitiam a sua circulação em meios de transportes públicos.

 

18) O autor teve com isso despesas económicas extraordinárias por ter recorrido a outros meios de transporte.

 

19) O inferior desempenho laboral foi também causa do despedimento.

 

20) A circular interna da Carris determinava que ninguém poderia entrar nos seus meios de transporte acompanhado de animais.

 

 

V- Do Direito relativamente à pretensão do Autor contra à Ré Ministério da Agricultura e do Mar

 

Assentes os factos, cumpre aplicar-lhes o Direito.

 

Vejamos então.

 

Primeiro, quanto ao pedido de desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto nos termos do art.º 73/2 C.P.T.A.

 

O autor alega quatro inconstitucionalidades de que padeceriam o dito regulamento. Alega a inconstitucionalidade formal do “regulamento do animal doméstico” aprovado pela portaria 313/2013 de 22 de Outubro por falta de indicação expressa de lei habilitante. Alega, em segundo lugar, a inconstitucionalidade do normativo por constituir violação ao direito fundamental ao ambiente, nomeadamente ao artigo 66 da CRP. O regulamento estaria viciado por inconstitucionalidade material, uma vez que a aplicação artº1 nº2 e o art.º 8 do regulamento em análise representaria uma clara e inequívoca violação do direito fundamental de todos os cidadãos ao ambiente. Em terceiro lugar, alega a inconstitucionalidade material do regulamento por violação do direito fundamental à integridade pessoal. Em causa estaria o art.º 12 do mesmo regulamento. Por último, defende que o mesmo artigo padece ainda de inconstitucionalidade, pois violaria o direito à autodeterminação da imagem exterior.

 

Como a doutrina tem apurado[1] a declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral pode, basear-se na eventual inconstitucionalidade da norma impugnada- tal como se poderia basear na sua inconstitucionalidade da norma o pedido da sua apreciação incidental. No contencioso de impugnação de normas regulamentares, o juiz não está, entretanto, limitado, na sua apreciação, pelos argumentos que possam ser invocados contra a sua norma ou normas impugnadas, podendo decidir “ com fundamento na ofensa de princípios ou normas jurídicas diversos daqueles cuja violação haja sido invocada” art.º75 C.P.T.A.

 

Vejamos detalhadamente cada inconstitucionalidade invocada pelo autor. Primeiro, a inconstitucionalidade formal.

 

O Tribunal Constitucional já se pronunciou inequivocamente que, de acordo com o disposto no art.º 115º da Constituição da República Portuguesa, os regulamentos - todo e qualquer regulamento, independentemente do órgão ou autoridade donde tiverem emanado - devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão, sob pena de padecerem de inconstitucionalidade formal, por desrespeito do citado preceito constitucional.  Assim, no caso em análise, o que existiu não foi a aprovação de um regulamento sem norma habilitante prévia, mas a omissão da citação da norma habilitante. Ora, a inconstitucionalidade por falta de citação de lei habilitante gera um vício meramente formal, não existindo preceito legal que o sancione com a nulidade (o art. 3º, n° 3 da C.R.P. menciona a validade das leis e dos demais actos sem distinguir entre nulidade e anulabilidade). Deste modo, o argumento da inconstitucionalidade formal de que padeceria o dito regulamento não colhe.

 

Analisemos a questão da violação do direito ao direito ao ambiente.

 

Como refere Carla Amado Gomes “Os bens ambientais naturais merecem do Estado uma protecção activa, constituindo a sua defesa e preservação uma tarefa indeclinável (cfr. os artigos 9º/e) e 66º/2 da CRP). O ambiente, nesta dimensão objectiva, reveste um valor na equação ponderativa do interesse público, obrigando por vezes a sua tutela a uma ponderação no contexto de outros valores constitucionalmente protegidos (v.g., património cultural, saúde pública) que há de obedecer a critérios de necessidade, adequação e proibição do excesso (proporcionalidade) ”Ora, no que nos interessa, não foi ultrapassada qualquer barreira de excesso ou de adequação com a aprovação do dito regulamento. Por outro lado, não logrou o Autor provar qualquer ingerência ilícita na sua esfera feita pela norma regulamentar, cuja tutela pertença ao direito ao ambiente. Este argumento não procede.

 

Analisemos a violação do direito fundamental à integridade pessoal.

 O autor alega que a aplicação do regulamento no seu art.º 12 levará ao corte do cabelo do dono e do seu animal. Ora, o art.º 12º do regulamento do animal doméstico é inadmissível. A integridade física das pessoas é inviolável, como dispõe o artigo 25.º/1 da Constituição da República Portuguesa, constituindo esse direito à integridade pessoal um dos direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos constitucionalmente consagrados, como decorre da sua inserção sistemática no texto constitucional português, com as garantias daí inerentes previstas na Lei Fundamental, desde logo as consagradas nos artigos 16.º, 18.º e 19.º da Constituição da República Portuguesa. Conforme ensinam os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à integridade física consiste, primeiro que tudo, num direito a não ser agredido ou ofendido, no corpo, por meios físicos, sendo certo que tal direito, enquanto organicamente ligado à defesa da pessoa enquanto tal, goza de proteção absoluta, não podendo ser afetado mesmo em situações de suspensão de direitos fundamentais, na vigência de estado de sítio ou de emergência, como dispõe o artigo 19.º/6 da Lei Fundamental. Assim, a norma em causa atenta contra o bem jurídico, integridade física do autor, pelo que deve ser desaplicada. Esta ingerência ilícita na esfera do particular consubstancia um facto danoso justificativo da  declaração de ilegalidade com força obrigatória geral do Regulamento do Animal Doméstico (aprovado pela Portaria n.º 313/2013).

 

Analisemos a dita violação do direito à imagem.

 

O direito à imagem é um direito constitucionalmente protegido no citado n.º 1 do artigo 26.º da Constituição e, de acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira (Ob. Cit., 467) “tem um conteúdo assaz rigoroso, abrangendo, primeiro, o direito de definir a sua própria auto-exposição, ou seja, o direito de cada um de não ser fotografado, nem de ver o seu retrato exposto em público sem seu consentimento (…); e, depois, o direito de não o ver apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida ou infiel”. Assim, o autor é titular indiscutível de direito à imagem. Direito à imagem que fica claramente em risco com as normas do dito regulamento, na medida em que estas, no seu art.º 12 e ss, constituem uma grave ofensa para a esfera jurídica do autor.

 

Em suma, não procede o pedido de desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto, mas antes é declarada  a ilegalidade com força obrigatória geral do Regulamento do Animal Doméstico (aprovado pela Portaria n.º 313/2013).

 

Vejamos agora o pedido de indemnização cível.

 

Comecemos pelo pedido de desaplicação da norma regulamentar com efeitos circunscritos ao caos concreto. De facto, o art.º 483 do Código Civil e ao artigo 7.º e 8.º da Lei nº 67/2007 referente à responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades Públicas, prevêem mecanismos de imputação de responsabilidade por factos ilícitos. Entre nós pode ler-se no art.º 483, n.º 1 do Código Civil o princípio geral atinente à responsabilidade por factos ilícitos: aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. No caso em apreço, estava em questão se o Ministério da Agricultura e do Mar responderá pelas ações da Ministra titular do cargo. O Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei 67/2007, com as alterações da Lei n.º 31/2008 de 17 de Julho, prevê no art.º 7 nº1 e o art.º 8.º nº1 e 2 mecanismos de responsabilização para o Estado e demais entidades públicas, sem prejuízo da responsabilização de órgãos, funcionários e agentes.

Contudo, os institutos da responsabilidade exigem que os seus pressupostos estejam verificados o que não acontece.Com efeito, o autor não logrou provar a existência dos pressupostos necessários para a imputação do facto ilícito e correspondente dever de indemnização em danos numa esfera jurídica alheia. Na verdade, a culpa e o dolo não foram também provados. Analisemos os danos. A testemunha, Américo Freud, limitou-se a alegar a possibilidade de uma relação causal, entre a vigência do regulamento e o estado mental do autor. A mera alegação não basta. Em bom rigor, não serve para a prova da existência de danos e foi completamente omissa quanto à sua quantificação.

 

No caso em apreço não se provou a existência de qualquer dano susceptível de compensação. O autor não provou, como lhes competia em face ao disposto no art.º 342 n.º 1 CC, os factos concretos que integram o seu pedido e que são os factos constitutivos do alegado direito a serem indemnizados. Dos factos provados não resulta a prova da existência de danos de tutela jurídica.

 

Estão alegados danos patrimoniais e não patrimoniais. Os factos provados permitem pensar na sua probabilidade, mas são insuficientes para se concluir pela sua efetiva verificação – art.º 342 nº1,562 a566, todos do CC. Ao Autor cabia a alegação e prova dos elementos constitutivos de responsabilidade civil como antes se disse. Face à prova produzida não se consubstanciam os invocados danos, sendo os factos provados insuficientes para se concluir pela sua efetiva verificação. Os factos apurados permitem pensar na probabilidade da existência de danos patrimoniais, mas não provam a sua verificação

 

«Para que se possa falar de uma questão de responsabilidade civil é necessário que o lesado, titular do direito indemnizatório, tenha sofrido um dano, só interessando mesmo averiguar sobre o concurso de outros pressupostos se aquele preexistir. Sem dano não há responsabilidade», Acórdão do STJ de 24/05/07, P.n.º 07A1187, in http:// www dgsi.pt.O dano é pressuposto e requisito da obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil, contratual ou extracontratual.

Seguindo o entendimento do mesmo acórdão importa referir que não havendo dano, o direito desinteressa-se da conduta ilícita e demais elementos constitutivos da responsabilidade civil, enquanto fonte da obrigação de indemnizar.

 

Em suma, não pode proceder o pedido de indemnização cível, na medida em que o autor não logrou provar os pressupostos que preenchem o instituto da responsabilidade civil.

 

 

VI – Decisão quanto à pretensão do Autor contra a Ré Ministério da Agricultura e do Mar

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo em negar provimento ao pedido de desaplicação ao caso concreto de normas regulamentares, dando antes provimento à declaração de ilegalidade do regulamento com força obrigatória geral. O pedido de indemnização cível será negado por falta de prova dos pressupostos do instituto em causa.

 

Do pedido do Autor contra a Ré Carris, SA.

 

VII – Dos Factos relativamente à pretensão do Autor contra a Ré CC, SA.

 

1-      No dia 3 de Novembro de 2013, o A. foi impedido de entrar no eléctrico 28, carreira assegurada pela Ré CC. S.A.

2-      O A. transportava consigo, no momento em que pretendia entrar no eléctrico, dois cães.

3-      O condutor do eléctrico, João Galhofinho, impediu o A. de entrar no dito meio de transporte, justificando tal conduta com a aplicação do novo Regulamento dos Animais Domésticos.

4-      O A. caiu junto do eléctrico.

5-      O A. foi despedido do seu trabalho com base em faltas injustificadas.

 

O tribunal formou a seguinte convicção quanto aos quesitos constantes da base instrutória:

 

Quesitos 2 e 3 – Os cães que eram transportados pelo autor eram de pequeno porte, sendo transportados em caixas próprias para o efeito.

O tribunal aprecia livremente a força probatória dos depoimentos das partes e das testemunhas, tendo formado a sua convicção com base no depoimento de Noé das Arcas (parte no pleito) e Jorge Pascoal da Noruega, que se apresentaram seguros, convictos, sem demonstrar atrapalhação ou contradição num discurso cujo conteúdo se acha verosímil. As testemunhas da Ré mostraram alguma confusão, embaralhação, não abonando tais factos para a fé dos seus depoimentos. Destarte, o tribunal não considera que tenham sido colocados devidamente em dúvida os factos alegados pelo autor, relativamente a estes quesitos, tendo-os como provados.

 

Quesito 4 – Os cães não estavam açaimados porquanto assim resultou de todos os depoimentos, quer de parte, quer testemunhais, que não colocaram em causa a inexistência de açaime.

 

Quesito 5 – o Autor não se acompanhava de mais nenhum animal; tal é a convicção do tribunal, que se forma baseada no testemunho do autor, e pelos mesmos motivos que afirmamos supra, no referente aos quesitos 2 e 3, e por parecer manifestamente improvável que alguém se consiga acompanhar de dois cães em caixas próprias para o efeito, e ainda com um aquário de cobras como alegado na contestação da Ré CC. SA.

 

Quesito 6, 7 e 8 – O tribunal não conseguiu apurar se o condutor invocou outras razões para além da aplicação do regulamento, nomeadamente a existência de utentes com prioridade. Para isto contribui o facto de ser extremamente improvável que uma pessoa de mobilidade reduzida, necessitando de cadeira de rodas para se locomover, se encontre na fila para se deslocar num eléctrico marcadamente antigo, pequeno e sem as condições adequadas e necessárias para o transporte deste tipo de utentes. Não se crê, assim, dar fé ao testemunho de Joana Nunes porquanto se acha inverosímil a sua presença na fila do eléctrico, tal como alegado nos autos.

Com base no depoimento de Noé das Arcas e de Jorge Pascoal da Noruega, o tribunal considerou como provado que o eléctrico se não encontrava perto da sua lotação máxima, essencialmente pelas razões invocadas na pronúncia sobre os quesitos 2 e 3.

 

Quesito 9 – O tribunal não considerou como provado que o autor tivesse caído por força do arranque do eléctrico. A testemunha João Galhofinho afirmou no seu depoimento que na altura em que a queda se deu estava bastante trânsito, além de que o semáforo estava encarnado e como tal teria de estar parado por força deste. Assim, acredita o tribunal que o eléctrico se manteve parado, tendo o autor caído por causa não imputável à conduta do condutor.

 

Quesitos 10 e 11 – O colectivo de juízes não considerou como provado que o autor foi impedido várias vezes de entrar nos transportes da Ré CC SA, nem que com isso teve despesas económicas extraordinárias. Nenhum depoimento de testemunha houve que pudesse levar o tribunal a admitir este facto como verdadeiro, e nem do contrato de avença apresentado se pode inferir o impedimento de entrada nos transportes da Ré CC SA.

 

Quesitos 15 – Quanto à questão da circular, as partes juntaram aos autos dois documentos, com conteúdos diferentes, e que pretensamente teriam sido emanados pela Ré Carris SA e destinados aos seus trabalhadores. A Ré arguiu a falsidade do documento apresentado pelo Autor, que determinava que ninguém poderia entrar nos seus transportes públicos acompanhado de animais. O autor não fez prova da autenticidade do documento, pelo que o tribunal não poderá aceitar, como verdadeiro, o seu conteúdo. Em contrapartida a Ré juntou um documento (circular interna) cujo conteúdo era oposto ao documento apresentado pelos autores, e que não foi por estes contestado, quanto à sua veracidade. O tribunal considera assim, que o conteúdo da circular interna da ré não proibia, pura e simplesmente, a entrada de animais nos seus transportes, e consequentemente, as pessoas que os transportavam.

 

VIII - Do Direito relativamente à pretensão do Autor contra a Ré CC,SA.

 

Do pedido de indemnização pelos danos causados:

A responsabilidade civil extraobrigacional do Estado, e demais entidades públicas, aplicada também à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo (art. 1º/5 da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro), tem como pressupostos a existência de um facto, a sua ilicitude, a culpa do agente, o dano do lesado, e o nexo causal entre o facto e o dano.

No caso em apreço, o tribunal não considerou que a queda do autor tenha resultado de uma conduta do condutor da Ré, pelo que, dessa forma, se exclui automaticamente o preenchimento do primeiro pressuposto da responsabilidade civil: o facto.

Do pedido de abstenção de conduta:

 

Quanto à pretensão de abstenção de conduta deve fazer-se um esclarecimento quando ao conceito de “comportamento” previsto no art. 37 do CPTA, este deve ser interpretado como abrangendo meras actuações administrativas para a acção impositiva, devendo ter também esse significado em relação à acção inibitória.

Apesar da letra da lei não o referir, nada parece fazer excluir a possibilidade de uma tutela inibitória contra actuações já em curso.

 

O objecto de litígio nesta acção é a alegação do autor de que um seu direito ou interesse legalmente protegido está a ser lesado através da continuação de uma mera actuação administrativa.

 

A legitimidade activa dos particulares deve ser aferida à luz do artigo 9.º, n.º 1, ou seja, depende da alegação de ser parte da relação material controvertida.

 

A acção de condenação à abstenção é admissível quando o autor conseguir provar plausivelmente que o comportamento que pretende atacar é ilegal e vai possivelmente lesar um seu direito ou interesse legalmente protegido.

Parece ser possível a enunciação geral dos pressupostos necessários para a admissibilidade desta acção. É necessário a verificação de três pressupostos cumulativos.

 

Primeiramente, a existência de um bem jurídico do particular que é tutelado pela ordem jurídica. A acção de abstenção dirige-se à protecção de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares como, por exemplo, o direito de propriedade, o direito à livre iniciativa económica e de empresa, os direitos da personalidade, o direito à saúde, entre outros.

Quanto a este pressuposto, o Tribunal não considera que se encontre preenchido porquanto não consegue determinar qual o bem jurídico afectado pela actuação de impedir a entrada num eléctrico.

 

Em segundo lugar, esse bem jurídico deve estar a sofrer uma lesão ou existir um fundado receio de que essa lesão se verifique por causa de um comportamento de uma entidade administrativa ou de um particular. Se a lesão for considerada um mero transtorno face ao interesse geral ou direitos de terceiros, não deve ser considerado que este requisito está preenchido. Apenas quando o juízo revelar que o requisito está preenchido, deve o tribunal considerar que o autor tem legitimidade para interpor a acção.

Ora se o Tribunal não encontra bem jurídico passível de lesão, consequentemente, este segundo pressuposto não se encontra verificado.

 

Em terceiro lugar, é necessária a ilegalidade da lesão. A acção só é admissível se a actuação administrativa for, presumivelmente, ilegal. A ilegalidade pode ser derivada de vários tipos de vícios. Novamente, se o Tribunal não encontrou nenhum bem jurídico a ser afectado, ou seja, a sofrer uma lesão, esta não chegou sequer a verificar-se pelo que não é ilegal, não estando nenhum dos pressupostos necessários preenchidos.

 

 

IX – Decisão do Tribunal quanto às pretensões do Autor contra a Ré CC, SA.

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo em negar provimento ao pedido de indemnização formulado pelo autor contra a Ré CC, SA. e absolver a Ré CC, SA. do pedido de abstenção de conduta.

 

Custos a cargo de Noé das Arcas.

 

 

 

Lisboa, 6 de Dezembro de 2013.

 

 

Os juízes de Direito,

 

André Fortunato

Francisco Rodrigues

Gonçalo Sousa

Nuno Azevedo

Raquel Dias

Rui Duarte



[1] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo edição de 2012 pag 106 citando Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, p, 109

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Raquel Dias às 22:35

Sexta-feira, 06.12.13

...

O regime de prazos CAT.pdf

 

Segue o ficheiro em PDF, pois devido ao sistema do blog não aparecia uma imagem/quadro inserida no trabalho.

Caso exista algum problema derivado desta forma de postar, peço ao Professor que indique e assim farei o post sem o dito quadro.

 

Miguel Bento Ribeiro

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Miguel Ribeiro às 20:49

Sexta-feira, 06.12.13

Processo Executivo

 

 

A tutela jurisdicional e efectiva constitui um dos princípios estruturantes do novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos (adiante CPTA), e uma trave mestra do processo executivo regulado nos arts. 157.º a 179.º daquele diploma.

O princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado, em termos gerais, no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), é, depois, especificamente concretizado no art. 268.º, nº 4, a propósito dos direitos e garantias dos administrados.

A forma relativamente pormenorizada como é exemplificado o seu conteúdo robustece as directrizes dadas ao legislador ordinário, que se sente não apenas estimulado, mas verdadeiramente vinculado a adequar o normativo vigente às orientações traçadas pela nossa Lei Fundamental.


O CPTA proclama, no seu art. 2.º a tutela jurisdicional efectiva. O enunciado do Código, para além de reproduzir o essencial das garantias constitucionais, precisa que o princípio “compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias destinada a assegurar o efeito útil da decisão” – nº 1 do art. 2.º.

A tutela jurisdicional efectiva é, antes de mais, um direito fundamental dos cidadãos portugueses e dos particulares, em geral.

Da listagem das diversas alíneas do nº2 do art. 2º do CPTA há que aproximar o elenco do art.º 4, nº 1 do ETAF, que na perspectiva dos litígios delimita o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal.


A afirmação da autonomia e simultaneamente da correspondência entre as situações subjectivas do direito e do interesse, por um lado, e da acção, pelo outro, conduzem necessariamente ao espectacular alargamento das questões submetidas à jurisdição dos tribunais administrativos e à consequente diluição da importância da acção ou recurso de impugnação de actos administrativos.

Assim, o aumento substancial dos poderes dos tribunais administrativos portugueses, em directa concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva, inverte a regra de que o contencioso administrativo é, por natureza, de anulação e só de plena jurisdição por atribuição.


O processo executivo visa obter, pela via judicial, as providências materiais que concretizem, no plano de factos, aquilo que foi juridicamente determinado pelo tribunal no processo declarativo, quer se trate do pagamento de quantia certa, da entrega de coisa certa ou da prestação de facto, positivo ou negativo.

Assim, o processo executivo adequa os factos ao Direito, portanto, a obter a execução do Direito, através da adopção de providências destinadas a colocar a situação do facto existente em conformidade com o Direito que foi declarado: seja através da execução coactiva do título executivo, seja através do constrangimento do obrigado a cumprir o que nele for determinado.

A pretensão que o exequente dirige ao tribunal sustenta-se num título executivo, que pode ser uma sentença ou outro documento, a que a lei substantiva atribua força executiva (46º CPC).


No processo administrativo verificam-se algumas especificidades, relativamente ao processo civil.

Desde logo, a doutrina e a lei apontam para um conceito amplo de execução, que inclui as modalidades de cumprimento espontâneo ou voluntário da sentença, em especial pela Administração, bem como a própria garantia do respeito pelo julgado, pelo menos, na medida em que seja necessário para o restabelecimento de direitos violados.

Nesta linha de entendimento, aceita-se no processo administrativo a execução de sentenças constitutivas e, em geral, a existência de momentos declarativos nos processos executivos.


O CPTA regula a matéria dos processos executivos nos arts. 157º a 179º. Contudo, o CPTA só regula as execuções promovidas contra entidades públicas, e não contra particulares (157º/1; 157º/3; 157º/4 CPTA). A execução das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos contra particulares também ocorre nos tribunais administrativos, mas rege-se pela lei processual civil, não sendo aplicável o regime disposto no CPTA (157º/2 CPTA).

Visto que, o conceito de “entidades públicas” é ambíguo, o conceito presente no art. 157º/1 CPTA, deve ser interpretado segundo uma concepção teleológica: deve-se alargar o âmbito destas entidades para além do universo das “pessoas colectivas de direito público”, pelo menos às entidades privadas investidas de privilégios de direito público.

 Assim, o preceito, pelo seu carácter geral, merece algumas reservas. Há, em primeiro lugar, que interpretá-lo restritivamente para que, quando os particulares pratiquem actos administrativos e estes sejam impugnados, a eventual sentença constitutiva de anulação não seja executada de acordo com as regras do processo civil, mas sim nos termos dos arts. 173.º e ss do CPTA. Mas, mesmo nas acções de execução de sentenças condenatórias, quando haja litisconsórcio passivo, não será possível ou conveniente utilizar, na fase executiva, regimes processuais diferentes em função dos destinatários, pois que se trata de obrigações solidárias. Posto isto, reconhece-se útil a remissão para a aplicação directa dos preceitos do CPC, nomeadamente quanto às formas do processo e ainda sobre embargo, penhora e adjudicação de bens.

Haverá também que interpretar restritivamente o preceito, excluindo que ele se aplique quanto aos autores de acções, mormente de impugnação, improcedentes. Não estaremos perante a execução de sentenças mas perante a execução de actos, designadamente de actos administrativos, contra particulares, colocando-se aí problemas de legitimidade da autotutela da Administração e seus limites, mas não questões de execução de sentenças. Só estaremos no âmbito de previsão do art. 157.º, nº2 do CPTA, quando a Administração, por carecer de autotutela ou por opção, promover a condenação judicial do particular ao cumprimento de obrigações resultantes de actos da Administração, excluindo porém a condenação por prática de actos administrativos.

O nº 3 do art. 157.º do CPTA veio atribuir a faculdade ao particular de, quando for titular de um direito resultante de um acto administrativo e a Administração não cumprir o correspondente dever, lançar imediatamente mão do processo de execução. O acto administrativo funciona aqui como um título executivo em favor dos particulares, em paralelo com a sentença de condenação.

Deste modo, podem servir de base a um processo executivo a intentar nos tribunais administrativos os elementos previstos nos arts. 157º/1, 157º/2 e 157º/3 CPTA (este último por remissão do art. 45º CPC).


A lei processual reafirma, no art. 158.º do CPTA, a obrigatoriedade das decisões dos tribunais administrativos, retirando daí a consequência lógica do dever de cumprimento espontâneo das sentenças pela Administração, dentro de um prazo, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução.

Desta determinação legal decorre que, ao contrário do regime anterior, o interessado não tem o ónus de requerer à Administração a execução da sentença, para a colocar em mora: findo o prazo estabelecido - 30 dias, para pagamento de quantia certa e 3 meses, nos restantes casos - o particular tem o direito/ ónus de iniciar o processo de execução

Portanto, os arts. 158º, 159º e 160º CPTA destinam-se à obrigatoriedade das decisões proferidas pelos tribunais administrativos e às consequências que daí resultem. De um modo geral, a vinculação à decisão proferida impõe-se a partir do trânsito em julgado da sentença (160º/1 CPTA).


Os recursos têm efeito suspensivo (143º/1 CPTA), em regra. Nos casos em que este, excepcionalmente, tenha efeito meramente devolutivo (143º/2 e 143º/3 CPTA), a obrigatoriedade impõe-se a partir da notificação da própria decisão (110º/4, 111º/3 e 122º/1 CPTA) ou da decisão que tenha atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso (160º/2 CPTA).


No que toca às sanções pelo desrespeito a esta obrigatoriedade, o art. 159º CPTA, estabelece-as no plano da responsabilidade civil das entidades e das responsabilidades civil, disciplinar e criminal de quem nelas desempenhe funções.

O interessado tem a possibilidade de suscitar esta invalidade dos actos administrativos entretanto praticados.

O CPTA, no art. 158º/2, dá abrigo às situações em que a Administração para se subtrair ao cumprimento das suas obrigações providas de uma decisão jurisdicional, incorre na tentação de praticar um ato administrativo que pretende impor como fundamento para o seu incumprimento: são nulos os actos administrativos que desrespeitem qualquer decisão dos tribunais administrativos (164º/3, 167º/1, 176º/5, 179º/2 CPTA).

Assim, o juiz fica com a tarefa de verificar se assim é, e portanto, se esse acto deve ou não ser qualificado como um “acto de inexecução da sentença exequenda”, para o efeito de ser anulado no âmbito do próprio processo de execução: trata-se do princípio de plenitude do processo de execução.


O CPTA institui como uma das formas de processo executivo a “Execução para prestação de factos ou de coisas” (162º a 169º CPTA) que, deve ser utilizada para obter a execução de prestações (positivas ou negativas) e, por outro lado, para obter execuções que se devem realizar, tanto na realização de operações materiais, como na prática de actos jurídicos (incluindo actos administrativos e regulamentos).

A tutela jurisdicional é mais efectiva e o respeito da legalidade mais exigentemente observado se se procurar reconstituir a situação hipotética que teria existido se a violação se não tivesse verificado, do que se se mantiver a situação resultante da infracção, embora o ofendido nos seus direitos ou interesses seja recompensado pecuniariamente pelos prejuízos sofridos.  

O CPTA supera o preconceito da infungibilidade de todas as prestações a cargo da Administração: quando se trata de proceder à realização de actos materiais (e não de actos administrativos), estamos perante condutas fungíveis, que podem ser praticadas por outrem, que não a entidade obrigada (por exemplo, 167º/5 CPTA).

Porém, a fungibilidade não existe, apenas quando se trata de praticar operações materiais, mas também quando se trate de actos administrativos inteiramente vinculados (167º/6 CPTA).

Assim, quando se trate do cumprimento de obrigações que sejam efectivamente infungíveis, o art. 168º CPTA institui a imposição de sanções pecuniárias compulsórias como o instrumento através do qual se deve procurar obter, no âmbito dos processos de execução para prestação de facto (vide 169º/1 CPTA).

No entanto, é de frisar que todas as sentenças dos tribunais administrativos que acarretam uma condenação são passíveis de execução. É o que decorre do princípio da tutela jurisdicional efectiva que não se circunscreve aos processos de declaração mas que para ser eficaz e concludente tem de abranger também o processo executivo.

A densidade da tutela executiva é ainda reforçada pela possibilidade de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias aos órgãos incumbidos da execução que estejam em mora – CPTA arts. 3.º, nº 2; 44.º e 165.º. A faculdade de aplicação de medidas compulsórias deve entender-se como de aplicação geral em todas as espécies de processo de execução e não apenas na execução de facto infungível. Essa é aliás umas das grandes inovações do CPTA.

Tal sucede-se, uma vez que, nos domínios de infungibilidade, não é possível a adopção de providências capazes de proporcionar ao credor a satisfação do seu direito, prescindindo do cumprimento por parte do obrigado (a satisfação dos direitos só pode ser obtida através da imposição de medidas de coação; as sanções pecuniárias compulsórias não são uma medida estruturalmente executiva): a satisfação dos direitos só pode ser obtida através da imposição de medidas de coação (ditas de execução indirecta), destinadas a coagir o obrigado ao cumprimento. Será o caso da emissão de actos administrativos não vinculados ou da emanação de normas regulamentares.

O CPTA admite o reconhecimento de que a execução não é possível ou seria gravemente prejudicial para o interesse público e, por via disso, estabelece a fixação de uma indemnização destinada a compensar o exequente por esse facto (163º, 166º/1 e 166º/3 CPTA).

Estamos perante uma relativa abertura da lei, embora a Administração não possa, só por si, determinar a existência de causas legítimas de inexecução, que terão de ser reconhecidas por acordo do interessado ou julgadas procedentes pelo juiz.

Esta solução legal parece, em abstracto, razoável, na medida em que é flexível, permitindo a ponderação das situações concretas pelo senso comum do juiz, sobretudo tendo em consideração a multiplicidade de interesses, mesmo públicos, que podem estar em jogo – no entanto, tendo em conta que a formulação é a mesma da lei anterior, torna-se importante assegurar que os juízes não se deixam influenciar pelo lado mau da tradição, que tende para um predomínio sistemático dos interesses da Administração, só por serem interesses públicos.

Também aqui não se deve menosprezar a importância do eventual acordo com o interessado, que poderá optar pela indemnização, mesmo fora das situações legalmente previstas como causas legítimas de inexecução, já que não está necessariamente limitado por elas – pois que a execução da sentença não é uma questão de ordem pública, mas visa fundamentalmente satisfazer os direitos e interesses do exequente.

O Código consagra assim, a figura das causas legítimas de inexecução – indemnização, essa, que não parece cobrir a reparação de todos os danos que possam ter resultado da actuação ilegítima da Administração, que sempre poderá ser objecto de acção autónoma.

O exequente é, assim, admitido a requerer as providências executivas capazes de satisfazer o seu direito, que só poderão ser recusadas quando, em oposição à execução que o juiz venha a julgar procedente, seja invocada a superveniente extinção do direito ou a superveniência de obstáculos que impeçam à adopção de tais providências (163º/3 e 165º CPTA).

O preceito do art. 166º CPTA institui, assim, um processo declarativo especial autónomo, para obter a fixação do montante da indemnização devida quando as partes concordem quanto à existência de causa legítima de inexecução, mas não cheguem a acordo no que se refere à determinação do montante a pagar.


O CPTA trata também de outra forma de processo que é a “Execução para pagamento de quantia certa” (170º a 172º CPTA), que deve ser utilizada para obter a execução de obrigações que se consubstanciem no pagamento de quantias em dinheiro.

Neste caso, não há lugar para indagações sobre a existência de causa legítimas de execução: a lei assume que o pagamento de quantias em dinheiro por parte de entidades públicas é sempre possível e nunca implica grave lesão de interesses públicos. Significa isto que, no caso de a entidade obrigada não ter dinheiro para pagar, avança-se para a execução.

O art. 172º CPTA prevê dois tipos específicos de providências de execução: a compensação do crédito do exequente (170º/2/a e 172º/2 CPTA) e a sub-rogação do crédito por parte do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (170º/2/b e 172º/3 CPTA). O art. 172º CPTA configura este instrumento em termos de utilização prioritária, só admitindo a título subsidiário a aplicação do 172º/8 CPTA no caso do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais se vir impossibilitado de prestar a verba, caso em que, seria aplicável a lei processual civil.


Suscita agora a questão de saber se o processo executivo regulado no Título VIII, arts. 157.º e ss, pode admitir, como uma outra das suas espécies , a execução das sentenças de anulação dos actos administrativos, ao lado dos processos para a execução de prestação de factos ou coisas e para a execução de pagamento da quantia certa, ou se a natureza particular daquele tipo de processos, em que a sentença é constitutiva e em que o dever de execução vai para além do âmbito de decisão jurisdicional, deveria levar à sua exclusão. Por outras palavras, ou alargamos o conceito de execução e de processo executivo, para além da extensão do conceito habitualmente empregado no processo civil, ou, se o mantivermos, o processo de execução das sentenças anulatórias dos actos administrativos ficará manifestamente deslocado neste Título.

O Código, ao adoptar um conceito mais amplo de execução do que o utilizador no processo civil, integra a execução de sentenças anulatórias de actos administrativos, sendo certo que, nesses casos, não se trata de simplesmente executar a sentença, mas de aplicar as normas substantivas cujos efeitos são desencadeados por ela.


Assim sendo, a terceira e última forma de processo é a de “Execução de sentenças de anulação de actos administrativos” (173º a 179º CPTA). O interessado que impugne um ato administrativo ilegal, pedindo a sua anulação, a declaração de nulidade ou inexistência, pode optar por proceder apenas à impugnação do acto, deixando para momento ulterior à decisão do processo impugnatório a eventual actuação processual das pretensões complementares em relação à pretensão impugnatória, que, embora o pudessem ter sido, não tenham sido cumuladas no processo impugnatório e se dirijam ao cumprimento do dever que à Administração se impõe de extrair as devidas consequências que deu provimento ao processo impugnatório: dever de executar a sentença de anulação (173º, 174º e 175º CPTA), por isso, o CPTA optou por dar o nome de processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos.

Como claramente resulta do art. 176º/1 CPTA, este processo de execução só deve ser utilizado quando a Administração não observe o disposto nos arts. 173º a 175º, não dando, assim, cumprimento ao dever de executar que se lhe impõe.

Como resulta do art. 173º/1 CPTA, os deveres em que a Administração pode ficar constituída na sequência da procedência do processo impugnatório de um ato administrativo podem situar-se em três planos:

  • ·         Reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado;
  • ·         Cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do acto ilegal, porque este acto disso a    dispensava;
  • ·         Eventual substituição do acto ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas.

O processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos foi concebido para dar resposta a situações em que o tribunal proferiu uma pura anulação, deixando que a Administração se encarregue de extrair da sentença as devidas consequências. No entanto, nos casos em que, tenha sido desde logo cumulado o pedido de condenação da Administração a extrair da anulação, é evidente que, a sentença não será de mera anulação mas sim de condenação.

O processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos caracteriza-se por uma necessária fase declarativa (arts. 173º a 175º; 176º/1 e 3; 177º/1 e 2; 179º/1 e 3 CPTA), e se for caso disso, uma eventual fase executiva (179º CPTA). Começa-se por identificar o conteúdo dos deveres em que a Administração ficou constituída por efeito da sentença e proceder à condenação da Administração ao cumprimento desses deveres, no âmbito de um litígio entre as partes. A segunda fase, sendo eventual, já se destina a proporcionar ao interessado o resultado pretendido, em fase executiva, na eventualidade da Administração não ter cumprido os deveres que lhe foram impostos na fase declarativa.

Este tipo de execução, pode também terminar com o reconhecimento da existência de uma causa legítima de inexecução, por impossibilidade ou grave lesão do interesse público, e na fixação de uma indemnização destinada a compensar o interessado, podendo seguir-se a conversão do processo num processo de execução para pagamento de quantia certa, no caso de a Administração não proceder ao pagamento da indemnização devida (176º/6 e 7; 178º CPTA).

A instauração do processo de execução de sentença pressupõe o incumprimento destas obrigações, pelo que só pode ser intentado, nos termos do art. 176º CPTA, após o decurso dos respectivos prazos: se a entidade obrigada não der, portanto, espontâneo cumprimento, dentro do prazo de que dispõe para o efeito, aos deveres que lhe incumbem, o exequente pode pedir a execução judicial (176º/1 CPTA).


Por fim, há, todavia, que fazer notar que a autorização para a imposição em termos gerais da sanção pecuniária compulsória representa, quer no domínio da tutela declarativa, quer no da tutela executiva, um tremendo aumento e eficácia, pois que responsabiliza civilmente os próprios titulares dos órgãos em mora no cumprimento do seu dever para com os particulares.

Embora não seja exclusiva do processo de execução de sentenças, é nesta área que a figura adquire maior relevo e justifica algumas reflexões, até porque, não está suficientemente regulada pela lei e, crismada embora como uma boa medida, apresenta o perigo de excessos inadequados ou mesmo intoleráveis.


Bibliografia:

·                    Almeida, Mário Aroso de: “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010

·                    Andrade, José Carlos Vieira de: “Justiça Administrativa” (Lições), Almedina, 2006

·                    Machete, Rui Chancerelle de: “Execução de Sentenças Administrativas ”, Cadernos de Justiça Administrativa (N.º 34)

·                    Silva, Vasco Pereira da: “O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, 2009

 

Isabel Maria Pereira (18654)

Autoria e outros dados (tags, etc)

por imgarciapereira às 09:31

Sexta-feira, 06.12.13

Os Litígios entre Particulares

No processo administrativo nem sempre é uma entidade pública que está envolvida, podendo o procedimento decorrer apenas entre sujeitos privados. É possível demandar, em Tribunal Administrativo, outro particular.

A legitimidade activa tanto pode caber a particulares como a entidades públicas. O artigo 9º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) estabelece que têm legitimidade activa todos aqueles que aleguem ser parte na relação material controvertida e têm também legitimidade, mesmo não tendo interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, associação, fundação, autarquia local ou o Ministério Público, estendendo-se então a legitimidade mesmo a quem não seja parte nessa relação. Em suma, qualquer cidadão pode, no gozo dos seus direitos civis e políticos, dirigir-se aos tribunais administrativos em defesa dos valores enunciados no artigo 9º/2.

 

 

O artigo 10º do CPTA vem, por sua vez, regular o regime da legitimidade passiva, do demandado. Este preceito pode ser desdobrado em duas partes, retomando, na primeira, o essencial de soluções consagradas no artigo 26º do Código de Processo Civil (CPC), preceituando que têm legitimidade passiva a contraparte na relação material controvertida, tal como esta é configurada pelo autor. Deve o autor demandar em juízo quem tem uma posição contrária à sua. Quanto à segunda parte, o artigo 10º/1 CPTA admite que as acções administrativas sejam propostas contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor, prescindindo-se do critério de pré-existência de uma relação jurídica entre as partes. Olhando para o elenco do artigo 10º, é facilmente compreensível que nem só as entidades públicas podem ser demandadas perante os tribunais administrativos.

O artigo 10º/7 CPTA é a norma central da legitimidade passiva dos particulares, estabelecendo que nos processos administrativos também estes podem ser demandados, não só como contra-interessados mas também a título principal, como nitidamente resulta do confronto expresso que o preceito faz entre “particulares” e “concessionários”. Esta contraposição esclarece que os particulares podem ser demandados a título principal e não apenas na qualidade de contra-interessados, pois já se admitia que os concessionários eram demandados a título principal nos processos de impugnação de actos administrativos que praticassem, e ainda, que não se tem apenas em vista a situação dos particulares que sejam concessionários de bens, serviços ou poderes públicos, podendo ser demandados a título principal os particulares que não tenham o estatuto de concessionários.

 Este artigo permite ainda que a própria Administração intente acções contra particulares, designadamente para o cumprimento de certos deveres, na medida em que não seja possível decretar, por força da lei, esse cumprimento através de métodos extrajudiciais.

Os particulares podem igualmente ser demandados perante os tribunais administrativos em processos que tenham por objecto a impugnação de actos jurídicos por eles praticados, no âmbito de normas de direito administrativo.

 

 

Outro artigo que é da maior importância para os litígios entre particulares é o 37º/3 do CPTA, que refere quando particulares violem vínculos jurídico-administrativos decorrentes de normas, actos administrativos ou contratos, podem ser condenados a adoptar ou a absterem-se de adoptar certos comportamentos. Este artigo vem também permitir que particulares demandem outros particulares, referindo-se, em primeiro lugar à hipótese de particulares investido no exercício de funções ou actividades administrativas, violarem ou ameaçarem violar, vínculos jurídico-administrativos, e, desde que, tal violação não tenha origem num acto administrativo por eles praticado. Podem então as pessoas lesadas pedir ao tribunal que providencie no sentido de levar a contraparte a adoptar ou abster-se de determinado comportamento. Para efeitos deste artigo, são particulares todos os que não sejam pessoas colectivas de direito público. Este artigo não se refere unicamente a particulares que exerçam funções administrativas, pois abrange também os meros particulares.

Como já foi referido, para que o artigo 37º/3 seja aplicável é necessário que se trate de vínculos jurídico-administrativos de particulares, de imposições ou proibições jurídico-administrativas resultantes de normas e também de actos ou de contratos administrativos, aos quais esses particulares se encontrem adstritos.

O artigo 37º/3 tem três pressupostos que importam referir e que permitem então que um particular recorra aos tribunais administrativos para demandar outro particular. Desde logo exige-se a violação, quer efectiva quer a mera intimidação, de vínculos jurídicos administrativos, havendo neste caso um particular titular de um direito ou interesse público e, na contraparte um outro particular ao qual era exigido um cumprimento de deveres, sujeições ou limitações especiais por razões de interesse público.

O segundo critério deste artigo prende-se com a conduta da administração, mais concretamente com a falta desta. Requer-se que o particular, cujos direitos ou interesses foram ofendidos, tenha solicitado às autoridades competentes a adopção das medidas adequadas para pôr termo ou evitar tal ofensa, mas no entanto não houve qualquer conduta da administração nesse sentido. Se houver uma autoridade administrativa a quem a lei confira competência específica para deter a violação desses vínculos, o lesado só pode demandar o particular depois de ter recorrido, e sem resultado, à autoridade legalmente competente.

Na última parte deste artigo está consubstanciada a possibilidade de um pedido de condenação para a adopção ou abstenção de certos comportamentos, podendo o particular, ao que parece resultar da letra da lei, requerer apenas um pedido de condenação e não um pedido de simples apreciação ou de anulação. O Professor Vasco Pereira da Silva critica esta limitação, afirmando não parecer existir quaisquer motivos que levem a esta necessidade de restrição a um pedido de condenação.

Em suma, se estas três condições patentes no artigo 37º/3 do CPTA estiverem preenchidas, é legítimo a um particular demandar outro e requerer uma tutela jurisdicional administrativa para protecção dos seus direitos ou interesses.

Os lesados têm então o direito de exigir a actuação por parte da administração e, se tal não suceder, têm o direito de exigir do próprio lesante, pela via judicial, o término da actividade lesiva. Uma vez que corresponde a violações de normas de Direito Administrativo, a questão tem natureza jurídico-administrativa, logo, pode e deve ser colocada por um particular contra o outro, perante os tribunais administrativos.

 

 

O artigo 10º/7 do CPTA revela não só para o disposto no artigo 37º/3, mas também para os artigos 51º/2 e 100º/3, do acto administrativo impugnável e do contencioso pré-contratual, nomeadamente. Os particulares podem, por força destes artigos, serem demandados perante os tribunais administrativos em processo de impugnação de actos jurídicos que pratiquem ao abrigo de normas de direito administrativo.

Nos termos do artigo 51º/2 são impugnáveis as decisões administrativas quer de autoridades não integradas na administração, quer de entidades privadas a quem foi atribuído o exercício de poderes administrativos de autoridade, incluindo-se neste caso, das entidades privadas, actos administrativos de concessionários, de sociedades de público, de estabelecimentos de ensino privado, basicamente nos domínios em que exerçam administrativamente a sua actividade.

 

 

O CPTA prevê de forma expressa as situações de litígios inter-privados, nos quais ambas as partes num processo administrativo são particulares. Não é necessário que esteja uma entidade pública em juízo para se recorrer aos tribunais administrativos, podendo os particulares ser demandados a título principal e não apenas em conjunto com entidades públicas. A conjugação do artigo 10º/7, que é, como já referido, a norma central da legitimidade dos particulares, com as normas mais concretas do 37º/3, do 51º/2, do 100º/3, entre outras, abre então o procedimento administrativo aos particulares, prevendo concretamente este tipo de litígios.

Os processos intentados perante os tribunais administrativos não têm necessariamente de ser dirigidos contra entidades públicas, mas podem ser dirigidos contra particulares.



Manuel Ponces Magalhães

 

 

Bibliografia

Almeida, Mário Aroso de – “O novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª Edição, Almedina, 2005

Almeida, Mário Aroso de - “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2013

Oliveira, Mário Esteves de/Oliveira, Rodrigo Esteves de - “O Código do Procedimento nos Tribunais Administrativos anotado”, Volume I, Almedina,  2006

Silva, Vasco Pereira - “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª edição, Almedina, 2009

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Manuel Ponces Magalhães às 01:17



Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Dezembro 2013

D S T Q Q S S
1234567
891011121314
15161718192021
22232425262728
293031