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Blog de Contencioso Administrativo



Terça-feira, 03.12.13

Responsabilidade Civil do Estado: uma evolução difícil e a 3 tempos

 

 

A Responsabilidade Civil do Estado é um dos pilares de um Estado de Direito encontrando expressão na nossa Constituição (art. 22º CRP).  

Este regime não teve uma evolução fácil, e foi essencialmente marcado por três diplomas legais que definiram essa mesma evolução e como ela se procedeu.

Como tal, concentrei-me nesses 3 momentos essenciais e de como afectaram essa mesma evolução.

 

O primeiro regime legal a referir será o da responsabilidade civil pública inicialmente introduzido pelo decreto-lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967. Este decreto assentava essencialmente na distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada. Entendia-se, então, por acto de gestão pública aqueles praticados pelos órgãos ou agentes da Administração no exercício de um poder público, ou seja, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam ou representem o exercício de meios de coerção. Já o acto de gestão privada, seriam os actos praticados pelos órgãos ou agentes da Administração Pública em posição de igualdade com o particular a que os actos respeitam, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, e como tal, subordinado às normas de direito privado.

    Ora, sendo assim bipartido, era necessário qualificar-se, ad initio, o acto ou facto causador do prejuízo pela administração. Posteriormente iria verificar-se se aquele corresponderia ou não a uma actuação de gestão pública ou privada. Consequentemente, aplicar-se-iam as regras de direito civil ou as regras da administração consoante os casos (o que na prática queria dizer que os Tribunais Judiciais seriam os competentes, sempre que o acto fosse qualificado como acto de gestão privada. Já se o acto fosse de gestão pública, a questão seria remetida para os tribunais Administrativos).

    Tendo em conta o que foi dito, poderemos afirmar uma dupla jurisdição. Ora vejamos, se um particular for lesado pela Administração Pública, durante a prática de actos de gestão privada, será o direito civil o aplicável e os Tribunais Judiciais os competentes. Já no caso de se tratar de actos de gestão pública, é o direito administrativo o aplicável, e a competência atribuída aos Tribunais Administrativos.

   Revendo este sistema, creio ser óbvio que podemos afirmar que este sistema será pouco relevante, pelo simples facto de o critério ser também pouco relevante. A forma como a Administração actua (de forma privada ou pública), pouco interessa, visto que tem sempre como objectivo a satisfação de necessidades colectivas.

    Para além desta questão, é importante também referir que esta divisão (actos de gestão pública contra actos de gestão privada), dependendo do lítigio em causa, poderia levar a um conflito positivo ou negativo de jurisdições entre os Tribunais Judiciais e os Administrativos

    

 

Já com a reforma do contencioso em 2004, o ETAF vem consagrar o segundo regime legal importante neste raciocínio. O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais expressamente refere a responsabilidade civil no âmbito de aplicação deste diploma, (conferir o número 1 do artigo 4º alíneas g) h) i) do ETAF). O legislador optou por abandonar o critério assente na distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada que determinava a competência do tribunal. Com este novo diploma, toda a responsabilidade civil pública passa a ser da competência exclusiva dos tribunais administrativos (por danos resultantes do exercício da função administrativa, politica e legislativa) ao abrigo do número 1 do artigo 4º al.g) do ETAF e número 3 do artigo 212º da Constituição portuguesa.

    Contudo, apesar desta consagração da responsabilidade civil, continuo a haver uma certa dualidade de regimes, o que era altamente desfavorável para o particular lesado que se encontrava numa situação de incerteza quanto a que tribunal recorrer, e mais uma vez se mantinha a forte probabilidade de se virem a potenciar conflitos negativos de jurisdição entre os próprios tribunais(judiciais e administrativos). De salientar que o número 1 da al.g) do artigo 4º do ETAF foi interpretado de três formas distintas, a saber: - a interpretação restritiva do preceito que insiste na defesa da distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada;

            - a interpretação ampla do preceito que substitui o critério de distinção entre os actos para se introduzir o critério da natureza da relação (cfr. 212º/3 da CRP + 1º/1 ETAF).

                   - a interpretação subjectiva do preceito que qualifica como administrativos os litígios dirigidos contra a Administração Pública. Ou seja, só quando a Administração Pública configura a posição de ré é que os tribunais seriam competentes.

 

 

Finalmente, a responsabilidade civil da Administração Pública foi consagrada num diploma só seu, a Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, mas que ainda assim ficou muito aquém das expectativas.

    Este diploma aplica-se aos danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa (cfr. art 1º/1 da referida Lei). No entanto, onde se pretendia um regime que pusesse fim à dualidade acima referida, e à distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, temos agora mais um problema a ter de ultrapassar, e que se prende com a ambiguidade linguística do artigo 1º/2, do qual se passa a citar “correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou regulado por disposições ou princípios de direito administrativo”.

     A doutrina não é líquida quanto à aplicação deste preceito, e portanto geraram-se diferentes graus de interpretação deste artigo.

    Actualmente a jurisprudência e alguma doutrina têm defendido que a expressão “prerrogativas de poder público” continua a ter presente o resquício da velha distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada.

    Com visão distinta, encontramos o professor Vasco Pereira da Silva que defende a ideia de que a expressão “prerrogativas do poder público” surge, neste contexto, como uma alternativa à expressão “regulação por disposições ou princípios de direito Administrativo”. Esta última expressão seria tida como expressão mais ampla ou genérica, e como tal, capaz de integrar em si as tais “prerrogativas do poder público” que seriam expressão mais concreta e individual.

   Assim, o regime da responsabilidade da Administração Pública seria tanto aplicável às actuações e omissões em que haja poderes de autoridade como às demais actuações que caibam ainda dentro da função administrativa que passam a ser reguladas por “ normas ou princípios de direito administrativo”. Ou seja, são as próprias normas ou princípios de direito administrativo que devem não só ter em conta as actuações de gestão pública como também as próprias actuações de gestão privada da Administração (ver ainda artigo 2º/5 do CPA).

 

 

Bibliografia:

SILVA, Vasco Pereira da, "O contencioso administrativo no divã da psicanálise", Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009

 

António Belair nº 18021

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por António Belair às 22:01

Terça-feira, 03.12.13

Parece que o Noé, afinal, vive em Osaka...

 

 

http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=3566427&seccao=%C1sia&utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter

 

Qualquer semelhança com a realidade será pura coincidência???

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por tiagoantunes às 12:49

Terça-feira, 03.12.13

Sanções pecuniárias compulsórias no contencioso administrativo

O artigo 3º/2 do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPTA) estabelece uma regra segunda a qual os tribunais podem fixar sanções pecuniárias compulsórias, não apenas em sede de processo executivo, como também em processo declarativo e processo cautelar.

Nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva esta regra “constitui uma solução original e de aplaudir”, pois o tribunal não está apenas a conhecer “do cumprimento ou não do direito aplicável, mas está igualmente a debruçar-se (ainda que de forma limitada) sobre uma questão de oportunidade, que é a da determinação do momento do cumprimento da sentença (ainda em fase declarativa).[1]

A reforma do contencioso administrativo veio romper com a tradição de que os poderes dos tribunais administrativos circunscreviam-se aos poderes de anular ou declarar a nulidade de atos administrativos e de condenar a Administração ao pagamento de indeminizações.

A regra contida no artigo 3º/2 CPTA permite, então, ao tribunais administrativos fixar oficiosamente o prazo para a Administração cumprir o que foi imposto e de aplicarem, quando tal se justifique, sanções pecuniárias compulsórias destinadas a assegurar o cumprimento desses deveres.

Para além do artigo acima referido, o CPTA enuncia noutros artigos este poder de imposição de sanções pecuniárias compulsórias: o artigo 44º, no que concerne ao processo de ação administrativa comum; o artigo 66º/3, no que refere à ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido; o artigo 84º/4, quanto à obrigação de envio do processo administrativo em sede de tramitação de ação administrativa especial; os artigos 108º/2 e 110º/5, quanto ao incumprimento de intimações (processos urgentes); o artigo 172º, no domínio dos processos cautelares; e, o artigo 168º/1, no âmbito do processo executivo. E, claro, o artigo 169º CPTA, que irei debruçar-me adiante.

O grande fascínio por esta inovação introduzida pela grande reforma do contencioso administrativo, prende-se com a resposta à seguinte pergunta: quem paga estas sanções? A resposta é: os titulares dos órgãos administrativos (veja-se, não é a Administração).

Os tribunais administrativos têm o poder de impor sanções pecuniárias compulsórias aos titulares dos órgãos administrativos, e é isto que o artigo 169º/1 refere. Ou seja, a sanção pecuniária não recaí sobre o Estado nem sobre entes públicos, recaí sobre pessoas singulares que sejam as titulares dos órgãos administrativos.

Transcrevo uma frase do Professor Vieira de Andrade por me parecer a mais adequada: “não recai sobre o património do devedor, mas sobre o património do individuo que representa o devedor ou lhe administra os seus bens e interesses”.[2]

Então, o “dinheiro saí do bolso” de um particular, na qualidade de titular de órgão administrativo, e não da Administração, o que requer que se proceda a uma identificação individual do titular do órgão.[3]

Já os particulares, partes no processo administrativo, que não sejam titulares de órgãos administrativos, também podem ser alvo de sanções pecuniárias, como no caso de incumprimento de intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias, tal como está disposto no artigo 110º/5 CPTA.

Deve ser exigida a culpa como pressuposto de imposição de sanções pecuniárias compulsórias? O Professor Vieira de Andrade entende que sim, visto se tratar de uma sanção que incide sobre a esfera patrimonial de pessoas individuais.[4]

As sanções pecuniárias compulsórias, têm duas funções, apenas se verificando a segunda em caso de incumprimento da primeira. Assim, esta sanção visa, em primeiro lugar, levar a Administração a realizar o cumprimento voluntário da sentença (revelando aqui a sua característica coerciva). Se a administração não realizar voluntariamente o cumprimento da sentença estaremos perante a sanção pecuniária. Temos, então, a fase do “ vá, Administração, cumpre com atenção aos prazos” e depois, temos a fase do “tiveste a tua oportunidade, agora vais pagar um certo montante por cada dia de atraso”.

Antes de analisaremos o artigo 169º CPTA, cabe referir um ponto muito importante que se prende com o critério para a aplicação das sanções pecuniárias compulsórias.

O artigo 3º/2 CPTA utiliza a expressão “quando tal se justifique” como fundamento para o juiz aplicar tais sanções. Está portanto nas mãos do juiz em causa avaliar a necessidade, e claro, a adequação, da imposição das sanções. A base da avaliação prende-se com a premissa: garantir a tutela efetiva dos direitos e interesses dos particulares. Essa avaliação será então mais fácil nos casos das intimações, devido ao seu caracter de urgência, e, nos processos executivos, perante uma eventual resistência ao cumprimento. Já nas sentenças declarativas, esta avaliação tem de ser feita com mais cuidado.

Passaremos então à análise do funcionamento da sanção pecuniária compulsória.

Ao contrário da sanção pecuniária compulsória civil, a administrativa pode ser decretada oficiosamente pelo tribunal.[5]

De acordo com o artigo 169ºCPTA, o montante é devido por cada dia de atraso e é fixado em critérios de razoabilidade[6], podendo oscilar entre 5% a 10% do salário mínimo nacional mais elevado.

A sanção cessa com a execução integral da sentença, quando haja desistência do pedido ou quando a execução já não possa ser realizada, nomeadamente quando o destinatário tenha cessado ou suspenso o exercício das suas funções (artigo 169º/4 CPTA).

A liquidação da sanção é realizada nos termos do artigo 169º/5 CPTA, e as suas importâncias revertem a favor do exequente, sendo possível a cumulação com outras indeminizações e, se ultrapassar um certo montante, o excedente fica a cargo do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (artigo 169º/6 CPTA).

A possibilidade de imposição de sanções pecuniárias pode não ser a cura final dos traumas do contencioso administrativo, mas todo o processo curativo tem as suas fases.

Bibliografia:

- Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ªedição.

- José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 12ª edição 2012.

 



[1] Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, página 250.

[2] José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 12ª edição, página 387.

[3] A lei apenas dá solução quanto aos casos de votação de uma execução (vide artigo 169º/3 CPTA).

[4] José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 12ª edição, página 388.

[5] Não sendo por isso necessário na sanção pecuniária compulsória administrativa o requerimento do credor, como na civil, tal é o disposto no artigo 829º-A do Código Civil.

[6] Há que ter aqui em conta, entre outras, as condições burocráticas em causa.

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por Mariana Horta Osório às 00:27



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