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Blog de Contencioso Administrativo



Segunda-feira, 02.12.13

Notas acerca da alínea g) do n.º2 do artigo 37º CPTA

O tema em análise enquadra-se no seio da acção administrativa comum. Muito sucintamente, a esta pertencem todas as pretensões que a acção administrativa especial não visa; cabe portanto fazer uma delimitação do objecto da acção pela negativa. Como tal, destaca-se que o elenco do artigo 37º/2 é meramente exemplificativo.

Quanto ao tema em estudo.

A alínea g) do 37º/2 destina-se à “condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse público”.

Concordamos com Otto Mayer e a sua teoria do sacrifício, quando o mesmo conclui que a indeminização do direito público é imposta por princípios de justiça e equidade, segundo os quais, só releva o “ressarcimento dos sacrifícios desigualmente impostos a um ou vários cidadãos, não interessando o caracter ilícito ou lícito do acto soberano causador do prejuízo”, estabelecendo ainda que, crucial, será o “nexo de causalidade entre a medida lesiva do ente público e o sacrifício do particular.” Porém acrescentamos a esta perspectiva, a necessidade do sacrifício ser totalmente desproporcional e para lá de parâmetros considerados normais.

Para o autor Carlos Cadilha, a existência de indeminização ao particular deve ter subjacente um certo grau de gravidade nos prejuízos (de modo a que possa ser considerado como “um ónus que excede o que é normalmente exigível em sociedade”), além de que, terá de ter por base uma situação de desigualdade em relação aos seus concidadãos, defendendo deste modo, o “carácter compensatório e não meramente reparatório de indeminização”.

Por sua vez, Gomes Canotilho defende a impossibilidade do interesse público prevalecer sem mais; para o autor mencionado, este interesse público deve ser caracterizado como “imperioso, inadiável e urgente” para que deste modo se proteja os direitos dos cidadãos contra abusos de direito.

Segundo o autor mencionado, estaríamos perante uma situação catastrófica de abuso de direito, se se entendesse o interesse público exigido para a legitimidade da imposição do sacrifício pela Administração, como uma “materialística ideia de enriquecimento da administração”.

Concordamos com Gomes Canotilho neste sentido. Entendemos que o interesse público em causa, não poderá ser invocado para o enriquecimento da administração e, sempre que se invoque para esses efeitos, deve a administração ser penalizada.

O interesse público como meio de justificar os sacrifícios impostos aos particulares, só pode vigorar se o próprio interesse for justificado isto é, não pode a administração pública, invocar uma situação de interesse público para obter privilégios; a lesão dos direitos dos particulares só se encontra legitimada quando mais altos valores se levantem, sendo que o enriquecimento da administração não é, nem poderá ser, um desses valores.

 

Relativamente à natureza jurídica da obrigação em causa na alínea g):

Para Mário Aroso de Almeida, esta terá, indiscutivelmente, natureza jurídico-administrativa. O autor utiliza o artigo 1º/1 ETAF para sustentar o anterior argumento. Note-se, porém, que no âmbito do Acórdão STA DE 30/11/2004, cujo relator era Alberto Augusto Oliveira[1], o STA vem afirmar (ciente da posição do anterior autor) que o 37º/2/G encaixa no seio da jurisdição administrativa “independentemente de ser administrativa a fonte da responsabilidade”.

Visto que o 4º/1/G ETAF não distingue entre tipos de responsabilidade (nomeadamente entre responsabilidade por actos lícitos/ilícitos), considerou o mesmo tribunal que, a responsabilidade em causa na alínea g) é abrangida por esse artigo. Consideram que tal não se justifica pelo 1º/1 ETAF, “sob pena de não haver fundamento para se julgar competente a jurisdição administrativa quando o sacrifício não decorra do exercício da função administrativa”.

 

Alíneas f) e g) do 37º/2 – proximidade substantiva (?):

Estabelecendo a alínea f) as acções de responsabilidade civil das pessoas colectivas, alguns autores questionam a necessidade de existirem duas alíneas regulando matérias semelhantes.

Aroso de Almeida defende a pertinência da autonomia concedida à alínea g) face à alínea f) do mesmo preceito (37º/2), sustentando que na alínea g) não estão em causa pretensões relativas à responsabilidade civil, mas sim, situações em que haja dever de indemnizar, independentemente de haver ou não uma averiguação do preenchimento dos requisitos da responsabilidade extracontratual.

Já Mário Esteves Oliveira em consonância com Rodrigo Esteves Oliveira, ainda que sem posição expressa acerca do assunto, parecem defender o 37º/2/G enquanto regra geral, à qual são admitidos desvios. Assim sendo, exceptuam do seu campo de aplicação, as acções de indeminização por expropriação, requisição e constituição de servidões administrativas. Segundo eles, no âmbito da alínea g) ter-se-iam as “situações em que a lei associe à imposição pública de sacrifício, o dever de indemnizar o sacrificado” (como exemplo dão o resgate das concessões que não tenham natureza contratual e ainda algumas “expropriações de plano” urbanístico); deste modo parecem os autores defender a pouca relevância prática do preceito.

Noutro prisma, Carlos Cadilha. Este autor consagra algumas situações típicas de indeminização pelo sacrifício, fazendo alusão aos danos resultantes de, nomeadamente: profilaxia veterinária (isto é, por exemplo a proibição de venda de aves em feiras), medidas de direcção económica (fixação de preços, proibição de fabrico de certos produtos), tipos de medidas policiais (exemplo: interdição de acesso a uma zona de utilização colectiva), trabalhos públicos de grande envergadura (como consequência, o encerramento de estabelecimentos, menos clientes, etc).

Ao mesmo tempo que prevê estes exemplos, o autor menciona o facto das expropriações por utilidade pública não se encontrarem aqui previstas, visto estas estarem sujeitas ao artigo 62º/2 CRP e como tal, terem o seu próprio regime indemnizatório no código das expropriações (Decreto-lei 168/99 de 18 de Setembro), com possibilidade de recurso para tribunal comum (artigo 38º e 8º desse código).

Aroso de Almeida esclarece esta questão ao explicar que, para efeitos do 37º/2/G a sede competente será a jurisdição administrativa, mas que esta regra geral comporta excepções, sendo que o código das expropriações é uma regra especial.

Esclarece o autor que, ainda que o CPTA seja posterior não pode entender-se que tinha como intuito revogar a competência prevista no artigo 38º do código das expropriações, desde logo porque tanto a lei 13/2002 como a 15/2012 alteraram normas do código das expropriações, inclusive normas que passaram a transferir a competência para tribunais administrativos, sendo que quanto às expropriações não houve nenhuma alteração.  

Assim sendo, o autor entende que o artigo 38º não foi nem revogado nem posto em causa. De todo o modo, qualificando-o como regra especial, prevalece sobre regras geral.

 

Atendendo às posições anteriormente referidas, cabe agora tomar posição acerca do, a nosso ver, ponto fulcral deste tema: (ir) relevância do 37º/2/G.

Numa primeira abordagem, a percepção que a alínea g) nos transmite é que a mesma se destina a acções de indeminização por expropriação, na medida em que, são estas o expoente máximo da imposição de sacrifícios ao particular por razões de interesse público.

Porém, como supra mencionado, as indeminizações por expropriação não têm incidência nesta alínea mas sim num regime especial.

Ora, se a par com as expropriações, também as servidões não se enquadram no regime legal do 37º/2/G do CPTA, dir-se-á que o âmbito de aplicação deste artigo ficará substancialmente reduzido.

No início do estudo defenderíamos a inutilidade da alínea g) do 37º/2. Todavia, o autor Carlos Cadilha, com os seus exemplos de possíveis situações de indeminização pelo sacrifício, permitiu que expandíssemos um pouco o nosso entendimento quanto à praticabilidade desta alínea.

E, se por um lado admitimos a possibilidade da alínea g) ter relevância aquando da apresentação de algum exemplo de situação que aí tenha cabimento; por outro, não conseguimos ver aplicabilidade prática desta alínea, na vida real.

Desde logo, porque a grande maioria dos casos de indeminização por imposição de sacrifícios, dá-se por razões de expropriação. Como tal, apesar de tecnicamente, poder incluir-se no 37º/2/G (a título de exemplo), situações de indeminização pelo sacrifício por estabelecimento de medidas de direcção económica, a verdade é que a praticabilidade do artigo está reduzida a zero ou, pelo menos, a muito pouco, senão se incluir nele, os casos por excelência de indeminização por imposição de sacrifício.

Não compreendemos por isso a opção do legislador de autonomizar as alíneas f) e g). Desde logo porque se o 4º/1/G ETAF não distingue entre responsabilidade por actos lícitos e ilícitos, o 37º/2/F também o não faz, assim sendo poderia ser incluído na mesma alínea.

Também não se entende tal opção ainda porque o CPTA é posterior ao código das expropriações logo, aparentemente foi intenção do legislador criar uma alínea cuja extensão prática é escassa. Como tal, essa opção legislativa deixa muito a desejar.

 

Bibliografia.

- Oliveira, Mário Esteves de; Oliveira, Rodrigo Esteves, Código Processo Tribunais Administrativos Anotado, vol.1, Almedina, Coimbra, 2006, pg. 272;

- Cadilha, Carlos Fernandes, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra editora, 2011, 2ªed, pg.359-369;

- Almeida, Mário Aroso, O novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2003, pg.98-100;

- Correia, Sérvulo; Leitão, Alexandra; Claro, João, Elementos de Estudo de contencioso administrativo, Lisboa, 2005;

- Pereira, Victor de Sá; Fouto, António Proença, Código das Expropriações (anotado), Rei dos Livros, 2002;

- Canotilho, José Gomes, O problema da responsabilidade do estado por actos lícitos, Almedina, 1974, pg.39-61; pg. 131-141; pg.300 e ss.



[1] O acórdão incide sobre uma acção posta por A contra a Presidência do Conselho de Ministros, nos termos do 37º/2/G, 42º e 43º do CPTA.

Na acção pedia o autor uma indeminização de 9119299€ por sacrifícios pela entrada em vigor do processo Sintra-Sado aprovado pela resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2003. No mesmo acórdão se concluiu pela incompetência do STA e pela competência do tribunal de Almada nos termos do artigo 44º/1ETAF.

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por Mariana Pereira às 23:25

Segunda-feira, 02.12.13

O reenvio prejudicial para o Supremo Tribunal Administrativo

  1. 1.      O reenvio prejudicial para o Supremo Tribunal Administrativo

 

A reforma do contencioso administrativo introduziu no ordenamento jurídico processual administrativo um conjunto de alterações e novidades. Nesse conjunto situa-se o recurso de revista, até esse momento inexistente no processo administrativo, e que só com a nova estruturação e distribuição de competências pelos diversos tribunais que integram a jurisdição administrativa foi possível consagrar.

Os arts. 25/2.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais(doravante ETAF) e 93.º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos(adiante CPTA) introduziram uma dessas alterações, prevendo a admissibilidade de reenvio prejudicial de questões para o Supremo Tribunal Administrativo (doravante STA) por parte do tribunal administrativo de círculo.

O objecto desta pequena dissertação é a análise do novo recurso jurisdicional do contencioso administrativo.

 

1.1.           A Reforma de 2002/2003: o plano da ordem jurisdicional

 

No plano da ordem jurisdicional administrativa, as três linhas de força da Reforma de 2002/2003 consistiram: na revisão dos papéis dos tribunais, no aumento do respectivo número e na melhoria de aspectos da sua organização e do seu funcionamento.[1]

 

No tocante ao papel dos tribunais o legislador procurou reservar aos tribunais administrativos de círculo(doravante TAC’s) a natureza de tribunal de 1ª instância, aos tribunais  centrais administrativos(de ora em diante TCA’s) a natureza de sede normal de recurso em 2ªa instância e ao STA  a natureza de regulador de sistema, um tribunal vocacionado para julgar em última instância apenas em causas mais importantes, ao qual caiba um papel determinante na evolução do Direito Administrativo e no aperfeiçoamento e consistência da sua aplicação.

 

A conjugação da atribuição destes novos perfis aos três tipos de tribunais administrativos com o princípio da dupla instância obrigou a uma estratégia assente na admissibilidade de recursos per saltum para o STA de decisões de TAC’s e de um recurso de revista excepcional para aquele de decisões proferidas pelos TCA’s em segundo grau de jurisdição.

 

1.2.           O artigo 93.º do CPTA

O art. 93.º do CPTA regula o julgamento em formação alargada pelo TAC e, bem assim, o reenvio prejudicial para o STA.[2] É, pois, esta segunda parte que mais nos interessa. Em alternativa á possibilidade de julgamento alargado, conforme decorre do n.º 1 do artigo 93.º, o presidente do TAC pode proceder ao reenvio prejudicial para o STA. A possibilidade de o STA vir a pronunciar-se relativamente ao sentido em que deve ser resolvida, por um TAC, questão de direito nova que perante ele tenha sido suscitada encontra-se especialmente prevista no art. 25.º, nº 2, do ETAF[3].

A exposição de motivos da proposta de lei n.º 92/VIII justifica a introdução destes dois mecanismos como forma de “ favorecer a qualidade das decisões dos tribunais administrativos de círculo e alguma uniformidade na resolução de diferentes processos sobre a mesma matéria.”

O reenvio prejudicial, quando tal se justifique, visa, portanto, assegurar um maior grau de ponderação e qualidade das decisões de primeira instância, evitando ainda na medida do possível que a prolação de decisões contraditórias sobre questões idênticas se coloque em diversos processos.[4]

O n.º 1 do artigo 93 elenca uma série de pressupostos que importa ter linha de conta. São eles:

- Tratar-se de uma questão nova: resulta de uma verificação objectiva, i.e, que não haja constituído ainda objecto de apreciação directa pelo STA ou mesmo por dois ou mais acórdãos de tribunais administrativos de círculos ou tribunais centrais administrativos;

- Existência de dificuldades sérias: assim, só se poderá por assente quando se desenhem em alternância respostas de nenhuma das quais seja evidente a improcedência;

- Possibilidade da questão vir a ser suscitada noutros litígios: terá qua atender a uma análise objectiva do carácter repetível da conjugação dos seus elementos essenciais.

A estes requisitos o STA acrescentou um outro, maxime, o requisito da não urgência do processo.[5]

 

Antes de avançarmos mais cabe, primeiro, analisar os recursos jurisdicionais admissíveis no processo administrativo português.

 

1.3             O recursos jurisdicionais no processo administrativo

 

Como se disse supra, vigora no ordenamento jurídico-administrativo português o princípio da dupla instância ou, também conhecido como, do duplo grau de jurisdição de mérito, que assegura às partes processuais, designadamente aos particulares, o direito ao recurso contra decisões jurisdicionais mesmo quando são proferidas em primeira instância por tribunais superiores.[6]

 

As decisões sujeitas a recurso são aquelas que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido o mérito da causa(art. 142, nº 1, do CPTA), i.e, as sentenças finais e as decisões arbitrais, ou os despachos saneadores que conheçam o fundo da causa. Porém, nem todas as decisões judiciais são sujeitas a recurso. A introdução da alçada nos tribunais administrativos visa isso mesmo, ou seja, excluir de recurso jurisdicional a decisão das pequenas causas, avaliadas do ponto de vista económico. Além destas, só não estão sujeitas a recurso as decisões proferidas em 2.ª instância, as decisões de decretamento provisório de providências cautelares para protecção de DLG’s (art. 131.º, nº5) e as que decidam conflitos de atribuições entre órgãos administrativos(art 135.º, nº 2, alínea e) ).

 

 

 

1.3.1       Os tipos de recursos

Os recursos podem ser classificados em função de diferentes grelhas, sendo geralmente mais referenciadas as distinções assentes na opção entre o tipo de reexame, no qual objecto é a questão ou relação material controvertida, ou o tipo de revisão ou reponderação, em que o objecto é a decisão recorrida e na opção entre o recurso substitutivo, no qual o tribunal ad quem substitui a decisão impugnada por outra decisão, ou o recurso rescidente ou cassatório, em que o tribunal superior se limita a revogar a decisão recorrida e faz baixar os autos ao tribunal a quo.[7]

 

A lei, por sua vez, distingue formalmente entre: recursos ordinários- entre os quais trata da apelação, do recurso de revista, do recurso de revista per saltum e do recurso para uniformização de jurisprudência- e o recurso de revisão. Contudo, o art. 140.º do CPTA remete para o regime da lei processual civil, que distingue formalmente, no título relativo ao processo de declaração, três tipos de recursos ordinários - apelação, revista e agravo- e dois tipos de recursos extraordinários- revisão e oposição de terceiro(art. 676.º CPC).

 

Em face do princípio do duplo grau de jurisdição no processo administrativo, talvez se possa falar, com VIEIRA DE ANDRADE[8], de recursos ordinários comuns- o recurso interposto das decisões dos TAC’s para os TCA-, de um recurso ordinário especial- que constitui o recurso de revista per saltum dos TAC’s para o STA-, de um recurso ordinário excepcional- que será o recurso de revista dos TCA para o STA-, do recurso para uniformização de jurisprudência, a interpor para o Pleno do STA, e do recurso extraordinário de revisão.

1.3.2. O recurso de revista per saltum para o STA

 

O recurso de revista de uma decisão de mérito do TAC para o STA é, de algum modo, um recurso ordinário, na medida em que se trata de conhecer, num segundo grau de jurisdição, uma sentença ainda não transitada em julgado.

A razão de ser deste salto estará na preocupação em garantir logo na 2ª instância, uma decisão ao mais alto nível, quando a causa é de grande valor e estejam em litígio apenas questões de direito. Consegue-se também uma maior estabilidade na aplicação do direito, prevenindo-se, até, a necessidade do recurso excepcional de revista.

1.3.3 O recurso de revista

 

O recurso de revista para o STA das decisões proferidas pelos TCA em 2ª instância é qualificado pela lei (art. 150.º), como um recurso excepcional, na medida em que vai implicar um 3º grau de jurisdição, ainda que limitado a questões de direito- o seu fundamento tem de ser a violação da lei substantiva ou processual

A excepção é admitida relativamente a questões de importância fundamental pela sua relevância jurídica ou social, ou então quando seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

 

1.3.4  O recurso para uniformização de jurisprudência

 

O art. 152.º inclui, entre os recursos ordinários, o recurso para uniformização de jurisprudência.

Neste recurso pressupõe-se uma contradição, sobre a mesma questão fundamental de direito, entre um acórdão dos TCA e um anterior acórdão dos TCA ou do STA ou então, entre dois acórdãos do STA – em qualquer dos casos, recorre-se do acórdão mais recente para o Pleno do STA(art. 25.º, n.º 1, alínea b) do ETAF), para que este, depois de verificada a contradição, decida a questão controvertida, anulando e substituindo a sentença impugnada.



[1] Cfr. SÉRVULO CORREIA, J.M., Direito do contencioso administrativo, Lex, Lisboa, 2005,pp. 695

[2] Cfr. CADILHA, C.A.F., AROSO DE ALMEIDA, M., Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 3ª ed. 2010, pp.626 e ss.

[3] A este respeito, v., AROSO DE ALMEIDA, M., O novo regime…. pp. 263

[4] Cfr. AROSO DE ALMEIDA, M., Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012, pp.403

[5] Ac. STA de 19/11/2008, (SANTOS BOTELHO)

[6] Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, J.C., A justiça administrativa (lições), Almedina, Coimbra, ed. 2012, pp.406

[7] ÂNGELO OLIVEIRA CRESPO, M., O recurso de revista no contencioso administrativo, pp. 104 e ss.

[8] Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, J.C., A justiça administrativa (lições), Almedina, Coimbra, ed. 2012, pp. 410

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por André Gaspar às 21:51

Segunda-feira, 02.12.13

Pronúncia dos tribunais nas acções de condenação da Administração

A ação administrativa especial de condenação à prática do acto devido, artigos 66º e seguintes do CPTA, é nos nossos tribunais administrativos o pedido principal da ação administrativa especial que, por sua vez, é a ação comum do contencioso administrativo. O pedido de condenação à prática do ato devido surge como o instituto que oferece a proteção necessária ao particular que é titular de um direito ou interesse de emissão, por parte da Administração, de um ato administrativo e face à pretensão do particular a Administração ofereceu silêncio, recusa da pretensão ou recusa de apreciação do requerimento.
Nas palavras de Rita Pires, o nascimento da figura dá-se através “de um parto a três contrações: conceção ideológica que a que se segue a exigência constitucional e finalmente a concretização legal”. A conceção ideológica argumentava que o contencioso de mera anulação era insuficiente para os interesses que se pretendiam tutelar, sendo que através um estudo de direito comparado se pode constatar várias influências estrangeiras, que influenciaram a doutrina portuguesa e que admitiam esta nova figura e que concediam um grande leque de poderes aos tribunais no âmbito da ação de condenação. O nascimento constitucional acontece em 1997, através da revisão constitucional, com o surgimento do artigo 268º, nº4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), relativo a direitos e garantias dos administrados, que passa a constar que os particulares têm direito, por parte da Administração “(…), a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos (…)”. Este nascimento deveu-se principalmente aos constantes alarmes que a doutrina emitia em que evidenciava que o recurso de anulação, instrumento anterior à ação de condenação que pretendia tutelar os interesses dos particulares, era insuficiente para a efetividade da defesa dos particulares face ao ente público. Este era um “todo poderoso” contra o qual os particulares não dispunham dos instrumentos certas para lhe fazer face de igual modo. Este artigo foi agregado como princípio condutor do contencioso administrativo. Concretizava o princípio da tutela jurisdicional plena que era e é a pedra basilar de todo o contencioso. A sua afirmação legal apenas aconteceu na reforma de 2002, sendo que se pôs em prática o que já constitucionalmente estava consagrado. Na opinião de Sérvulo Correia, tendo o artigo 268º, nº4 CRP, natureza de direito fundamental era imediatamente aplicável ao abrigo do artigo 18º, nº1 da CRP considerando que estávamos, já em 1997, perante um novo meio processual, criado pelo legislador constituinte, que permitia o particular agir prontamente para que a Administração cumprisse os seus direitos.
O surgimento desta nova figura no Contencioso Administrativo deveu-se ao alargamento do conceito do princípio da separação de poderes. Segundo este princípio, que como sabemos surgiu com o intuito se haver uma separação rígida entre os diversos poderes e para que não houve uma administração que ao mesmo tempo que criava leis, as aplicava e as julgava. O juiz nunca poderia dar qualquer ordem à administração e muito menos substituí-la nas suas funções. Mas mesmo aqueles que olhavam este princípio na sua maior rigidez como se o “poder tivesse sempre razão”, reconheceram as insuficiências do regime anterior onde, embora não fosse esse o seu desígnio, as suas sentenças continham ordens e condenações dirigidas à administração sempre encobertas pois nunca se poderia violar o princípio da separação de poderes. Afirmavam que o melhor caminho a seguir seria uma “política jurisprudencial de prudência” pois abriam caminho a esta nova figura da condenação da Administração, mas eram incapaz de afirmar publicamente que os tribunais podiam efetivamente condenar a Administração pois olham o princípio da separação de poderes com total rigidez.
A ação de condenação apresenta uma característica, que embora se aceite na doutrina, não se pode deixar de refletir sobre ela. O “ato devido” sobre o qual se condena a administração é tanto um ato cujo conteúdo se mostra legalmente “pré-determinado” decorrentes da preterição de poderes legais vinculados, como o é o ato em que a Administração se encontra perante situações em que age no âmbito de poderes discricionários. Este tem sido o entendimento doutrinal uniforme nesta sede. Vasco Pereira da Silva enfatiza que, tendo em conta os poderes discricionários que a Administração dispõe, não podemos confundir a tarefa de julgar com a tarefa, proibida esta sim pelo princípio da separação de poderes, de o tribunal praticar atos em vez da administração, exercendo a tarefa de administrar. O tribunal em matéria de discricionariedade pode realizar controlo jurisdicional dos respetivos parâmetros (competência, proporcionalidade, igualdade…) mas nunca substituir, em matéria de poder discricionário a Administração.
Entende-se por discricionariedade “uma liberdade de decisão que a lei confere à Administração, a fim de que esta, dentro dos limites legalmente estabelecidos, escolha de entre várias soluções possíveis aquela que lhe parece mais adequada ao interesse público”. A discricionariedade da Administração poderá ser controlada através de imites legais, artigo 266º CRP; da adequabilidade subjetiva dos comportamento escolhido à realização do fim legal, o princípio da justiça que se traduz no dever da Administração harmonizar o interesse publico especifico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente lesados e o princípio da imparcialidade, e dos próprios limites decorrentes da auto vinculação da Administração.
Ao abrigo do artigo 66º, nº1 do CPTA, podem ser suscitados dois pedidos principais. O de condenação na emissão de ato administrativo omitido e o de condenação na produção de um ato administrado de conteúdo favorável ao particular, em substituição de ato desfavorável anteriormente praticado. Neste caso não se pretende a anulação contencioso do ato de recusa mas sim a condenação da Administração na emissão de um ato que substitua o anterior e que de satisfação ao pretensão do particular. Como decorre do artigo 66º, nº2 CPTA mostra-se desnecessária a dedução de pedido de anulação, de declaração de nulidade ou de inexistência do ato de indeferimento porque resulta diretamente da sentença de condenação a eliminação daquele ato da ordem jurídica. Estabelece igualmente o CPTA no seu artigo 51º, nº4, se o particular instaurar uma ação de impugnação invés de uma de condenação é convidado a suprimir esse ato. O artigo 66º estabelece igualmente que o objeto do processo é o direito do particular a uma determinada condutada da Administração, quer em sede de vinculação quer em sede de discricionariedade, e não o ato administrativo. É irrelevante a existência ou não de ato administrativo visto estarmos presente um contencioso de “juízo sobre a relação administrativa” e não um “juízo sobre o ato.”
O artigo 71º CPTA, relativo aos poderes de pronúncia do tribunal, estabelece no seu nº1 a “medida da condenação correspondente à vinculação da Administração” e no nº2 os parâmetros que a discricionariedade da Administração deve adotar uma vez que as escolhas por determinadas decisões são suas mas as sentenças de condenação devem delimitar qual o âmbito e limite das vinculações legais ou das escolhas da Administração. Assim sendo as sentenças de condenação apresentam, nas palavras de Mário Aroso de Almeida, “processos de geometria variável”, pois nem todos conduzem a sentenças com igual conteúdo.
No que respeita ao conteúdo da sentença, Vasco Pereira da Silva considera que existem duas modalidades e Mário Aroso de Almeida considera que existem três. Esta divergência deve-se ao facto de Vasco Pereira da Silva considerar que a “redução da discricionariedade a zero”, situação em havia discricionariedade para agir, dentro daqueles determinados parâmetros, livremente por parte da Administração, mas que a situação concreta fez com que a escolha possível fosse apenas uma, é uma situação de vinculação legal. Deste modo reconduz esta figura à sentença que corresponde ao exercício de poderes vinculados em que é imposto à Administração a prática de um ato com um determinado conteúdo. Outra modalidade serão os casos em que o tribunal apenas aponta o caminho correto a seguir pela Administração, isto é, a forma correta de aplicar o seu poder discricionário.
Tendo em atenção este poder concedido ao tribunal Vasco Pereira da Silva fala numa “margem de manobra da jurisprudência” em que para que não haja nem violação do princípio da separação de poderes nem violação do princípio da tutela judicial pena e efetiva, as sentenças devem ser menos do que a substituição do tribunal às escolhas da responsabilidade da Administração e mais do que uma mera enumeração das vinculações legais.
Posto isto, é notório o alargamento dos poderes de pronúncia do juiz face aos seus poderes no contencioso de anulação. Se estamos perante uma atuação vinculada da Administração, o juiz tem o poder de indicar o conteúdo do ato a praticar. Se estamos perante uma situação de discricionariedade da Administração o juiz tem os seus poderes limitados pois não se poderá substituir à Administração sendo que neste cado apenas poderá indicar as vinculações e adiantar as linhas orientadoras da decisão da Administração. A condenação à prática de um ato devido não se restringe apenas aos casos de estrita vinculação legal uma vez que tal condenação pode igualmente ter lugar nas situações em que a lei confira à Administração poderes discricionários. A Administração, em qualquer uma das hipóteses, verá a sua conduta censurada e a ação de condenação à prática do ato devido verá a sua função nuclear, a defesa dos direito e interesses legalmente protegidos dos particulares, alcançada. A jurisprudência administrativa tem testado e comprovado os tipos de pronúncia condenatória previstos no artigo 71º CPTA.



Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso de, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”
Andrade, José Vieira de, “A Justiça Administrativa”, 12º Edição, Almedina
Machete, Rui, “A condenação à prática de acto devido – algumas questões”, CJA, nº50, Março/Abril de 2005
Mealha, Esperança, “A condenação à prática de acto devido na jurisprudência”, Revista do Ministério Público, nº 117, 2009
Pires, Rita, “O pedido de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido – desafiar a modernização administrativa?, 2004”
Silva, Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2º Edição, Almedina

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por Maria Martins às 00:07



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