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Blog de Contencioso Administrativo



Domingo, 01.12.13

O Direito à Informação e a Intimação para a sua prestação

 

O Processo Administrativo prevê, além dos meios processuais normais, uma forma de processo urgente. Esta forma existe para quatro tipos de situações diferentes, nos quais se entende ser exigível uma decisão de fundo sobre o mérito da causa por forma mais célere do que resulta da tramitação normal.

Estes processos urgentes não podem ser confundidos com as providências cautelares, nas quais existe um decretamento provisório da providência para tutelar direitos, liberdades e garantias, mas tal não se apresenta como uma decisão de fundo e definitiva. Os processos urgentes têm uma ratio diferente, pois pretendem obter uma resolução definitiva pela via judicial num tempo curto.

O CPTA prevê, no Título IV, quatro tipos diferentes de processos urgentes: as impugnações relativas a eleições administrativas e a formação de determinados contratos, assim como intimações para prestação de informações e as intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias[1].

Nesta publicação serão abordados os processos de intimação, que se caracterizam por visarem a emissão de uma imposição judicial, dirigida à Administração, da adopção de comportamentos ou à prática de actos administrativos e mais concretamente, a impugnação para a Prestação de Informações, Consulta de Processos ou Passagem de Certidões.

 

 

O Direito à informação

O direito à informação administrativa foi introduzido no nosso sistema jurídico por norma constitucional e resulta hoje do artigo 268º/1 da CRP, que determina que “os cidadãos têm o direito a ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados (…)”. O Código de Procedimento Administrativo (CPA), na sua Parte III, Capítulo II, veio também regulamentar este direito, nos seus artigos 61º e seguintes.

O direito à informação é um direito fundamental, de natureza semelhante aos direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da CRP[2], e identifica-se com os princípios da publicidade e transparência que devem reger a actividade administrativa.

O direito à informação pode ser dividido em duas categorias:

A) O direito à informação procedimental: o direito à informação administrativa dos directamente interessados num procedimento, consagrado no artigo 268º/1 CRP e no artigo 64º CPA, que visa a tutela de interesses e posições jurídicas directas dos cidadãos, num concreto procedimento. Este direito à informação procedimental está concretizado em três vertentes, o direito à prestação de informações directas (artigo 61ºCPA), o direito à consulta de processos e à passagem de certidão, reprodução ou declaração autenticada de documentos (artigo 62º).

Os cidadãos directamente interessados ou que detém um interesse legítimo quanto a um procedimento administrativo são titulares do direito à informação, tendo a maioria da doutrina considerado que este interesse é bastante amplo, aceitando que o seja “qualquer interesse atendível que justifique razoavelmente dar-se ao requerente tal informação”[3]. Este direito é possível a qualquer altura do procedimento e depende de iniciativa do titular.

 

B) O direito à informação não procedimental: o direito à informação administrativa por parte de qualquer cidadão, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo, vem consagrado no artigo 268º/2 CRP e 65ºCPA. Este direito confere o acesso aos arquivos e registos administrativos por qualquer pessoa, independentemente da sua participação num procedimento ou da invocação de qualquer interesse na informação, sendo, portanto, ao contrário do direito à informação procedimental, exercitável por quem não disponha de interesse directo, pessoal e legítimo na informação.

 


Intimação para a Prestação de Informações, Consulta de Processos ou Passagem de Certidões

Na sua formulação inicial tratava-se de um meio acessório ao recurso, mas evoluiu devido à doutrina e à jurisprudência para um meio processual autónomo. Inicialmente limitada à consulta de documentos ou passagem de certidões acabou por ser também uma forma de intimar a Administração a prestar informações procedimentais[4]. Transformou-se num meio de processo próprio, autónomo e urgente que visa a tutela do direito à informação, sendo, em princípio o meio adequado para obter a satisfação de todas as pretensões informativas, quer esteja em causa o direito à informação procedimental ou à não procedimental[5].

 

 

Objecto

A intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou de passagem de certidões tem como objecto a conduta, da Administração, através da qual foi deficientemente cumprido ou recusado ao interessado o exercício do seu direito de informação[6].

Pede-se ao juiz que intime a Administração a dar acesso aos processos requeridos, a passar uma certidão, uma reprodução ou declaração autenticada de documentos ou ainda a prestar uma informação directa. O interessado tem então que ter requerido à Administração estas informações e tal requerimento não ter sido satisfeito no prazo de dez dias, para que esteja preenchido o pressuposto processual deste tipo de processo.

 

 

Legitimidade e Partes

A intimação pode ser pedida por quem tenha legitimidade activa para o fazer, basicamente por quem seja titular dos direitos à informação, quem alegue ser parte na relação material controvertida e ainda por quem tenha legitimidade para recorrer aos meios impugnatórios, nomeadamente os autores populares e o Ministério Público, para o exercício da acção pública (artigo 104º/2 CPTA).

Quanto à legitimidade passiva, a intimação deve ser apresentada contra a pessoa colectiva ou ao ministério a que pertence órgão em falta, a quem se imputa a conduta omissiva (artigos 10º/2 e 104º/1 do CPTA).

São partes nesta intimação, do lado do autor, tanto pessoas singulares como colectivas, que requerem este meio processual e, do lado do réu, a pessoa colectiva pública onde o órgão a quem se imputa a conduta omissiva está inserido.

 

 

Prazo

O prazo para a utilização deste meio processual é de vinte dias a partir da verificação do incumprimento, por parte da Administração, do dever de informar ou de notificar. Se o requerimento do interessado não for satisfeito, se houver indeferimento do pedido ou a sua satisfação parcial, este dispõe deste prazo para pedir a intimação (artigo 105º CPTA).

 

 

Tramitação e Sentença

A intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões tramita como um processo urgente, correndo inclusive o processo em férias. Não havendo lugar a outras diligências, o juiz cita a autoridade requerida para responder, tendo esta um prazo de dez dias para o fazer (artigo 107º CPTA). Após resposta, o juiz profere uma decisão condenatória, na qual estabelece, igualmente, um prazo não superior a dez dias para o cumprimento da intimação.

Se houver incumprimento injustificado desta, podem ser estabelecidas sanções pecuniárias compulsórias, sem prejuízo de haver lugar a responsabilidade civil, disciplinar ou criminal do órgão ou do titular (artigo 108º CPTA).

Na sentença é indicada a pessoa titular do órgão da Administração responsável por cumprir a intimação e prestar as informações necessárias, sendo esta uma ordem concreta e exacta que acarreta, como já referido, no caso de incumprimento, possíveis sanções.

 

 

Conclusão

O Direito à Informação é um direito fundamental, consagrado na Constituição e do qual resulta um dever por parte da Administração de informar os cidadãos sempre que estes o requeiram, e tenham legitimidade para tal.

A intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, que resulta do novo Código, não apresenta muitas distinções com a figura já defendida pela doutrina e jurisprudência. Este meio processual urgente é um instrumento que concretiza o direito à informação e que permite uma apreciação célere dos factos e direitos alegados pelas partes, culminando numa decisão definitiva, que forma, inclusive, caso julgado material.

Este meio processual é, sem sombra de dúvida, uma ferramenta muito útil para obter, com a maior diligência possível, informações relevantes por parte da Administração, para os cidadãos que as necessitam, satisfazendo-se o direito à informação do interessado.

 

 

Bibliografia

 

ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010;

  

ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), 11ª Edição, Almedina, 2011;

 

DAVID, Sofia, Das Intimações, Almedina 2005

 

ZARZUELA, Alejandro Arias, O Direito à Informação Administrativa não Procedimental e Intimação para Prestação de Informações e Passagem de Certidões, Relatório, FDUL, 2003

 

Manuel Ponces Magalhães

[1] José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 2ª edição, 2007, pág. 257

[2] Sofia David, Das Intimações, Almedina, 2005, pág. 57

[3] Mário Esteves de Oliveira, Código do Procedimento…, apud Sofia David, Das Intimações, Almedina, 2005, pág. 61

[4] Sofia David, Das Intimações, Almedina, 2005, pág. 55

[5] José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 2ª edição, 2007

[6] Sofia David, Das Intimações, Almedina, 2005, pág. 82

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por Manuel Ponces Magalhães às 01:29

Domingo, 01.12.13

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AÇÃO PÚBLICA

 

 

Como uma modalidade específica de legitimidade ativa, a ação pública traduz-se na possibilidade de o Ministério Público (doravante designado MP), enquanto órgão do Estado a quem cabe a defesa da legalidade[1], propor quaisquer ações que se mostrem necessárias para reprimir as situações de violação do princípio da legalidade que decorram do exercício da atividade administrativa.

 

Atualmente , a ação pública não se confina ao domínio tradicional de impugnação de atos administrativos, mas abrange as demais pretensões que se enquadram na forma de ação administrativa especial, como sejam a condenação à prática de ato devido e a impugnação de normas ou pedido de declaração de ilegalidade por omissão de norma, como também outras pretensões que seguem o modelo de ação administrativa comum, como é o caso das ações sobre contratos.

 

I – DA IMPUGNAÇÃO DE ATOS ADMINISTRATIVOS

 

No que se refere à impugnação de atos administrativos é de notar que o MP não está limitado pelo critério de legitimidade estabelecido no artigo 85.º CPTA. O MP pode impugnar qualquer ato administrativo tido como ilegal, de acordo com o artigo 55.º, n.º1, alínea b), CPTA[2].

A ação pública abrange, não apenas a impugnação de atos administrativos por iniciativa própria, mas também o poder de requerer o prosseguimento do processo, assumindo a posição de autor, quando o mesmo tenha terminado por desistência ou qualquer outra circunstância que apenas respeite ao demandante (artigo 62.º, CPTA).

Nos processos impugnatórios o MP pode também arguir novos vícios relativamente a processos instaurados por particulares, podendo invocar causas de invalidade diversas das que tenham sido arguidas na petição (85.º, n.º3 CPTA), assim como quaisquer questões que determinem a nulidade ou inexistência do ato impugnado(artigo 85.º, n.º4 CPTA).

Há também que destacar o disposto no n.º2 do artigo 85.º , CPTA, disposição legal essa que confere ao MP a possibilidade de solicitar a realização de diligências instrutórias, bem como pronunciar-se sobre o mérito de determinada causa. Contudo, o exercício de tais poderes processuais está condicionado à verificação dos pressupostos enunciados na parte final do supra referido artigo, pelo que tal intervenção não tem lugar em todos os processos, mas somente quando esteja em causa defesa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer dos interesses difusos a que se refere o n.º2 do artigo 9.º, CPTA.

 

II – DA CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DEVIDO

 

O MP dispõe também de legitimidade para propor ações de condenação à prática de ato devido, quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer dos valores e bens referidos no n.º2 do artigo 9.º (artigo 68.º, n.º1, alínea c), CPTA. A ação pública não intervém aqui sem quaisquer limitações, ao invés do sucedido no domínio da impugnação de atos administrativos, não sendo pois suficiente o propósito genérico enunciado no artigo 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais[3].

São então de referir dois pressupostos específicos, sem os quais o CPTA não reconhece legitimidade ao MP para pedir a condenação da Administração à prática de um ato administrativos legalmente devido:

- 1.º pressuposto: a iniciativa processual do MP está circunscrita às situações de omissão ilegal em que o dever de praticar o ato administrativo resulte diretamente da lei;

- 2.º pressuposto: não basta que ocorra uma omissão administrativa que configure uma violação legal, exigindo-se cumulativamente uma ilegalidade qualificada, seja pela intensidade da lesão (direitos fundamentais), seja pela natureza do interesse que é afetado (interesse público especialmente relevante) ou pela natureza dos bens ou valores coenvolvidos (interesses difusos, referidos no n.º2 do artigo 9.º, CPTA).

 

III – DA IMPUGNAÇÃO DE NORMAS E DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE POR OMISSÃO

 

O MP exerce ainda a ação publica no domínio do contencioso dos regulamentos. Para tal dispõe de competências de exercício facultativo (73.º, n.º3, CPTA) e de exercício obrigatório (73.º, n.º4, CPTA) para formular pedidos de declaração de ilegalidade de norma com força obrigatória geral.

Oficiosamente ou a requerimento de qualquer das entidades que sejam titulares de interesses difusos, pode pedir declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, sem necessidade da verificação da recusa de aplicação em três casos concretos (artigo 73.º, n.º3). Importa frisar o disposto no 73.º, n.º3: ao prever que o pedido em causa possa ser deduzido pelo MP mediante requerimento apresentado pelas pessoas e entidades mencionadas no artigo 9.º, n.º2, o Código, segundo uma interpretação literal da lei, apenas atribuí a qualquer das entidades titulares de interesses difusos a faculdade de se constituírem como assistentes no processo[4].

Tem o dever de pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral quando tenha conhecimento de três decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na sua ilegalidade (artigo 73.º, n.º4).

Por outro lado, o MP pode pedir ao tribunal administrativo competente que aprecie e verifique a existência de situações de ilegalidade por omissão das normas cuja adopção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a atos legislativos carentes de regulamentação (artigo 77.º, n.º1). A ação pública é aqui enunciada, sem quaisquer restrições.

 

 

IV – DA AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM

 

A ação pública abrange também a formulação de pedidos que se enquadram no contencioso contratual e por isso seguem a tramitação característica da ação administrativa comum. Conjetura-se, neste plano, uma ação pública anulatória destinada a pôr em causa a validade total ou parcial de contratos celebrados pela Administração (40.º, n.º1, alínea b[5]).

Por outro lado, o MP pode igualmente formular pedidos relativos à execução do contrato quando se trate de cláusulas cujo cumprimento possa afectar um interesse público especialmente relevante (artigo 40.º, n.º2, alínea c), CPTA). Não basta o mero incumprimento de cláusula contratual, mas exige-se que a ilegalidade cometida seja susceptível de afetar um interesse publico de especial relevo.

 

 

Importa, finalmente, reforçar que a ação pública exercida nas suas quatro modalidades, tal como anteriormente se explanou, não se confunde com a legitimidade processual atribuída ao MP para a defesa de interesses difusos, a que se reporta o n.º2 do artigo 9.º. Como decorre do disposto no n.º2 do artigo 9.º, CPTA, o MP é uma das entidades titulares da ação popular,  sendo esta uma forma de legitimidade que se estende a todas as estirpes processuais. Tal conclusão é facilmente defensável, uma vez que a supra mencionada disposição foi cravada pelo legislador no Título I do Código.

 

 

 

 

 

 

 



[1] V. artigo 1.º, Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, republicado pela Lei n.º 68/98, de 27 de Agosto, e alterados pelas Leis n.ºs 42/2005, de 29 de Agosto, 52/2008, de 28 de Agosto, 37/2009, de 20 de Julho, 55-A/2010, de 31 de Dezembro e 9/2011, de 12 de Abril. 

[2] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, p.239.

[3] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, p.246.

[4] De acordo com o professor Mário Aroso de Almeida, as pessoas e entidades mencionadas no artigo 9.º, n.º2 têm legitimidade para a ação em causa e não apenas o direito de requererem ao MP o exercício da ação pública, v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, p.249.

[5] De acordo com o professor Mário Aroso de Almeida, o CPTA introduz, neste preceito, a acção pública sem aparentes restrições, pelo que se deve entender que ela é estendida ao contencioso de impugnação de contratos da Administração com a mesma configuração que tradicionalmente lhe corresponde no contencioso de impugnação de actos administrativos, v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, p.229.

 

 

 

Rui Fondinho Duarte

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por Rui Fondinho Duarte às 00:00



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