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Admitindo a suprema influência do pensamento e do funcionamento das instituições do Ancien Régime na edificação do Contencioso Administrativo no período revolucionário francês, talvez faça sentido acrescentar e autonomizar uma nova fase histórica da sua evolução. Não parece ser outro o raciocínio do Prof. Vasco Pereira da Silva quando, ao estabelecer uma analogia com o filme «Aprile»1, procura justificar o «pecado original» (a promiscuidade entre Administração e Justiça) com os traumas do período que o antecedeu.
Este raciocínio carece de alguma coerência se reconhecermos que, afinal, o «pecado original» provém do Antigo Regime, fonte de todos aqueles traumas e vícios que posteriormente marcaram (ou determinaram) a história e a evolução do Contencioso Administrativo. Nesse sentido, o regente da cadeira constata que, «para se perceber o que se passou na Revolução Francesa é necessário olhar para o período do Antigo Regime», isto é, para “o que se passou na “barriga da mãe”»2, porquanto, ao contrário do que se esperava, a Revolução de 1789 manteve intacta a estrutura administrativa francesa – uma prática que, aliás, se viria a repetir ao longo do séc. XIX, com as sucessivas alterações de regime. Alexis de Tocqueville é peremptório neste capítulo, quando afirma que «apesar de em cada revolução a administração ser decapitada, o seu corpo mantinha-se intacto e vivo; as mesmas funções eram exercidas pelos mesmos funcionários; estes traziam à diversidade das leis políticas o seu espírito e a sua prática»3 - de que é exemplo máximo, recorde-se, o próprio Conselho de Estado.
O Contencioso Administrativo é, portanto, uma «herança do Antigo Regime»4. Se, por um lado, devemos considerar o período da Revolução Francesa como o período do nascimento ou do surgimento do Contencioso Administrativo, também devemos reconhecer, por outro, que toda a sua evolução vai ser influenciada pelas precoces experiências do nascituro, isto é, por todos os turbulentos e nefastos episódios ocorridos na “barriga da mãe”. Pelo que nos devemos perguntar se a fase do “pecado original” não deverá corresponder antes àquele período que antecedeu o nascimento da criança – imputável, portanto, aos pais, que não impediram que a mulher, mesmo grávida, assistisse ao (ou vivenciasse o) filme do Ancien Régime.
Neste sentido, em jeito de conclusão, e extraindo todas as consequências da constatação de que o período da gravidez não é um período incólume, arrisco-me a propor uma nova sistematização da evolução do contencioso administrativo que corresponderia, sucintamente, às seguintes fases:
1 Vasco Pereira da Silva, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise», p. 15.
2 Vasco Pereira da Silva, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise», p. 15.
3 Alexis de Tocqueville, «O Antigo Regime e a Revolução», 3, VII, p. 173.
4 Vasco Pereira da Silva, «Em busca do A.A.P.», p. 24.
5 Vasco Pereira da Silva, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise», p. 16.
O primeiro passo já está. Agora é começar a "postar" sobre o contencioso administrativo.
Aguardo os vossos contributos.
Tiago Antunes
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