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Blog de Contencioso Administrativo



Segunda-feira, 09.12.13

O Fumus Bonus Iuris na Tutela Cautelar

Do fumus bonus iuris nos procedimentos cautelares: o estranho caminho de um jogo de probabilidades

 

 

A tutela cautelar assume, no contencioso administrativo, uma função instrumental face à tutela dita declarativa, destinando-se, de acordo com o estatuído no art. 112.º/1 CPTA, à obtenção de providências idóneas a assegurar a utilidade da sentença a proferir num processo declarativo.  

Esta ausência de autonomia dos procedimentos cautelares – bem como os seus vectores da intrumentalidade, provisoriedade e sumariedade, em face de uma acção principal -  em nada reconduz a uma menor relevância prática da tutela cautelar: afinal, esta garantirá, em última ratio, a eficaz e célere interrupção da produção de danos já causados ou impedirá que aquela se inicie. Danos esses que, naturalmente, obstariam à plena utilidade da decisão que o particular pretende obter naquela acção principal.

 

Na mesma medida em que qualquer tipo de pretensão pode ser objecto – rectius, pedido imediato –, de um processo declarativo, cujo centrismo coloca o enfoque na protecção de posições jurídicas substantivas de particulares, também a garantia de efectividade da tutela jurisdicional exigida leva a considerar que o juiz administrativo pode conceder providência a qualquer medida cautelar que se mostre idónea à realização da sua função, concluindo-se desta forma pelo carácter exemplificativo do elenco de providências constante do art. 112.º CPTA.

Todavia, a clássica destrinça entre providências de natureza antecipatória (aquelas que visam prevenir um dano, obtendo antecipadamente a disponibilidade de um direito ou o gozo de um benefício que o particular evoca ser legítimo titular, mas que lhe é negado) e aqueloutras de natureza conservatória (as que se destinam a manter um status quo, isto é, pretendem manter ou preservar a situação de facto existente) mantém, também no domínio do processo administrativo, toda a sua utilidade, nomeadamente pelo facto de o legislador ter feito depender dessa natureza os critérios a considerar pelo juiz para efeitos de aceitação ou negação de provimento ao pedido cautelar formulado [cf. art, 120.º/1 CPTA][1].

 

Em termos gerais, e em nada distintos do estudado no proceso civil, as providências cautelares têm dois elementos centrais[2]: o periculum in mora e o fumus bonus iuris, ao qual circunscreveremos a nossa análise, doravante.

 

O critério da aparência do bom direitofumus bonus iuris – aparece-nos consagrado pelo legislador enquanto conditio sine qua non da decretação de uma providência cautelar requerida no contencioso administrativo. Todavia, as exigências relativas a esta aparência revestem forma diferenciada, consoante se esteja perante um pedido de provimento de uma providência conservatória ou, contrariamente, de uma outra, de natureza antecipatória [cf. arts. 120.º/1, b) e c) CPTA]. E isto considerando que em ambos os casos se faz depender - ainda que de forma quantitativamente diferenciada - o decretar da providência de um juízo prévio sobre a possibilidade de êxito que o recorrente tem no processo principal, i.e., sobre a possibilidade de se vir a reconhecer procedência à pretensão formulada pelo autor na acção principal.

 

Esta diferenciação vertida na letra da lei não foi obra do acaso, tão pouco objecto de tratamento leviano por parte do legislador da Reforma. Logo na exposição de motivos que acompanhou a prefeitura do CPTA, justificava o legislador “que no que se refere ao critério da aparência do bom direito, adopta[-se] um critério gradualista, admitindo que esse critério […] deva ser de indagação mais exigente quando esteja em causa a adopção de uma providência antecipatória do que a adopção de uma providência meramente conservatória”[3].

 

Assim, nos procedimentos cautelares de natureza conservatória, o requisito aposto na alínea b) do art. 120.º/1 – e após a demonstração do periculum in mora – basta-se com a afirmação do non fumus malus[4], i.e., com um simples juízo de não improbabilidade da procedência da pretensão formulada na acção principal pelo autor. Assim, o papel da aparência do bom direito encontra, nestas providências, protagonismo reduzido: não existindo elementos que tornem clara a improcedência da pretensão material do autor, ou circunstâncias que claramente obstem ao conhecimento da matéria de fundo, não haverá de ser por via deste elemento que a providência será negada.

 

 Ao invés, no que se reporta à concessão de uma providência de cariz antecipatório, destinada a alterar o status quo, intervém na sua concessão o fumus bonus iuris na plenitude da sua extensão. Pretendendo o requerente que o estado das coisas se altere em seu favor, sobre si impende o encargo de fazer prova perfunctória do direito alegado na pretensão formulada na acção principal, aplicando-se co-naturalmente os critérios tradicionais do processo civil a este juízo de prognose que o art. 120.º/1, c), in fine, determina dever ser feito pelo juiz na análise da providência requerida [cf. “e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”].

Em ambos os casos, a concessão ou recusa de provimento à pretensão cautelar intentada pelo autor haverá sempre de ser sujeita, ainda, ao crivo de um juízo de ponderação de interesses, tal como decorre do disposto no art. 120.º/2 CPTA.

 

 

Bibliografia:

 

ISABEL CELESTE DA FONSECA, Introdução ao Estudo Sistemático da Tutela Cautelar no Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2002.

JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa, Lições, 11.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011.

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Procedimento Administrativo, 12.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2012



[1] De forma clara e sistemática, M. AROSO DE ALMEIDA, Manual de Procedimento Administrativo, Almedina, Coimbra, Maio de 2012, p. 446: « a tutela cautelar das situações jurídicas finais, estáticas ou opositivas passa, assim pela adopção de providências conservatórias; e a tutela cautelar das situações jurídicas instrumentais, dinâmicas ou pretensivas passa pela adopção de providências antecipatórias»

[2] Do quadro legal são subtraíveis, enquanto requisitos de procedência das providências cautelares: (i) duas condições positivas de decretamento, o periculim in mora, ou receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação na esfera do requerente; e o fumus bonus iuris, ou a não manifesta falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular na acção principal, e a inexistência de circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa; e (ii) um juízo de ponderação ou proporcionalidade, resultante da norma estatuída no art. 120.º/2 CPTA, entre os efeitos decorrentes da decisão de concessão ou negação da providência.

[3] Apud M. AROSO DE ALMEIDA, op. cit., pp. 477-478.

[4] Numa acepção partilhada diversas vezes pela jurisprudência do STA e TCA, vide Ac. STA 12.01.2012, P. 01043/11, e Acs. TCA Sul 12.09.2013, P. 10267/13 e de 7.11.2013, P. 10430/13. 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por CatarinaSantinha às 05:17


1 comentário

De tiagoantunes a 12.12.2013 às 18:19

Visto.

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