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Blog de Contencioso Administrativo



Segunda-feira, 09.12.13

Breves Notas Acerca da Responsabilidade Civil Por Facto da Função Legislativa

Breves Notas Acerca da Responsabilidade Civil Por Facto da Função Legislativa[1]

 

           i. No âmbito da concretização plena do artigo 22.º da CRP operada por via da Lei n.º 67/2007, de 21 de Dezembro[2], operacionalizaram-se as formas de efectivação da Responsabilidade do Estado no exercício das funções jurisdicional e legislativa, concretizando-se o comando aposto pelo legislador de 2002-2004 no art. 4.º/1, g) ETAF.

 

           ii. Sem pretensões de entrar em considerações de mérito acerca das opções que o legislador da Reforma transpôs para as diversas alíneas do art. 4.º/1 do ETAF, afirme-se apenas que aquele ultrapassou amplamente o comando constitucional, sediado no art. 212.º/3 da Lei Fundamental, que estatui uma cláusula de reserva de jurisdição administrativa assente no critério da relação jurídico-administrativa[3].  

 

         iii. Apesar de não encontramos, no art. 1.º do RRCEE, menção expressa aos titulares da função legislativa, a remissão feita para lei especial (art. 1.º/1, in finde), tem a situação sobre a qual aqui versamos no seu campo aplicação. Remissão essa feita para os artigos 45.º a 48.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, alterada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro, dos quais resulta um principio de responsabilização por danos decorrentes da prática de crimes relacionados com a função legislativa nos termos da lei civil, respondendo o Estado solidariamente com o titular causador do dano, e detendo sobre aquele direito de regresso, sem que a absolvição do pedido criminal extinga a obrigação de indemnização civil.

     

     iv. Reguladas em primeira linha pelo disposto no art. 15.º RRCEE, as acções para efectivação da Responsabilidade do Estado por facto praticado no âmbito da função legislativa podem surgir em dois cenários:

(A) situações posteriores a processos em que o autor da acção de responsabilidade civil, a propósito de um caso concreto, e ainda que por iniciativa do juiz ou da parte contrária, viu uma norma que lhe estava a ser aplicada julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, merecendo por isso a desaplicação ad quo por parte do tribunal. Nestas circunstâncias, em favor do lesado existe já uma prévia pronuncia do Tribunal Constitucional, que fundamenta a acção administrativa comum de responsabilidade extracontratual do Estado – art. 32.º/2, f) CPTA -, a ser proposta no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa[4].

Há quem admita, em face da redacção do n.º 2 daquele art. 15.º RRCEE, a entrega da situação ao Tribunal Constitucional, que haveria assim de emitir uma segunda pronúncia sobre a norma em apreço. Todavia, parece de rejeitar esta concepção, porquanto pré-existe já um juízo de ilicitude sobre a norma, juízo esse emitido por aquele mesmo TC, e que fundou a pretensão de reconstituição da situação jurídica do autor da acção de responsabilidade. Ademais, uma segunda pronúncia do TC sobre a mesma norma acarretaria o risco da existência de discrepâncias valorativas entre as diferentes secções daquele Tribunal e, ainda, aqueloutro acarretado pela possibilidade de alteração do juízo de inconstitucionalidade previamente produzido, o que claramente atentaria à coerência do sistema e à segurança jurídica dos destinatários da norma. Tal segunda pronúncia parece, igualmente, vedada pelo respeito ao principio do Caso Julgado[5], na medida em que o pedido indemnizatório deriva do reconhecimento de uma pretensão do mesmo autor num anterior processo, tendo por objecto o ressarcimento de um dano não coberto pela reconstituição[6] da situação jurídica.

(B) Em segundo lugar, um processo subsumível à letra do disposto no art. 15.º do RRECC haverá de ser destinado matricialmente à declaração da violação de um direito, ou interesse digno de tutela, nomeadamente os ditos interesses difusos, insusceptíveis de apropriação individual ou de interesses de fruição colectiva, por via de uma norma alegadamente inconstitucional e, ainda, à responsabilização do legislador pelos danos resultantes da aplicação concreta dessa norma. Assim, na acção administrativa comum proposta no TAC, o autor peticionará o reconhecimento de um direito, afirmando a conexão entre a sua perturbação e a aplicação de uma norma alegadamente inconstitucional, devendo este pedido ser cumulado com um pedido de condenação do Estado no pagamento de uma indemnização, subsidiário e em relação de dependência face ao primeiro [cf., arts. 37.º/2, a) e f) CPTA].

Assim, facilmente se compreenderá que a procedência do pedido indemnizatório dependerá da prejudicial análise de reconhecimento do direito, que haverá de se confirmar ter sido ou não violado por norma eventualmente inconstitucional.

Daqui resulta, claramente, uma diferença entre a análise até aqui formulada e a letra da lei, no art. 15.º/2[7] RRCEE, preceito que pressupõe: (i) uma decisão positiva quanto ao pedido indemnizatório fundado no anterior julgamento de inconstitucionalidade da norma por parte do tribunal administrativo, ou (ii) uma decisão de não procedência do pedido emitida por aquele tribunal, e fundada ou na conformidade da norma à Constituição ou à lei de valor reforçado, ou na não verificação dos demais pressupostos da Responsabilidade Civil. A equivalência, operada pelo preceito, de recusa de aplicação da norma às situações em que o tribunal administrativo julgue inconstitucional a norma, ou de aplicação, naqueloutras em que o mesmo tribunal administrativo conclua pela não inconstitucionalidade ou ilegalidade do preceito invocado pelo Autor, não poderá desconsiderar a subsunção da normatividade questionada ao caso concreto, sob pena de se abrir portas a uma verdadeira acção pública de inconstitucionalidade[8], havendo de se ter por previamente assente e provada a existência de uma efectiva lesão de um direito do autor provocada por via daquela norma.

           

      v. A questão da articulação entre a verificação da existência de um direito lesado e a consequente afirmação da responsabilidade civil do Estado poderá vir a encontrar entraves na incompetência dos tribunais do foro administrativo para conhecer da violação de direitos ou interesses por violação de preceitos normativos jus-privatistas. Ao nível das soluções, parece de considerar que o recorrente deverá nesses casos intentar uma acção declarativa de simples apreciação ou reconhecimento de direito junto dos tribunais comuns, no seio da qual surgirá a questão de constitucionalidade.

       

      vi. Neste último grupo de situações, supra expostas, depois de obtida a declaração de invalidade, maximus inconstitucionalidade - por meio de Acórdão do TC - o recorrente haverá de se dirigir ao TAC intentando apenas e exclusivamente a acção de responsabilidade civil por facto derivado da função legislativa, e devendo os pressupostos da responsabilidade ser autonamamente verificados, para efeitos da procedência da sua pretensão.

 

     vii. Em último termo, e valendo para tudo o que aqui se disse, alerte-se que a compensação pecuniária terá como pressuposto primário a impossibilidade, de facto e de iure, de se proceder a uma reconstituição in natura (cf., art. 3.º/1 RRECC).  



[1] Deixe-se presente que as linhas que se seguem não abordarão a matéria da violação do Direito Comunitário pelo legislador.  

[2] Regime da responsabilidade extracontratual das entidades do Estado e demais entidades públicas, doravante RRCEE.

[3] Neste sentido, J.C. VIEIRA DE ANDRADE, “Âmbito e Limites da Jurisdição Administrativa”, in CJA, n.º 22, 2006, pp. 6 e ss; CARLA M. AMADO GOMES, “As novas responsabilidades dos Tribunais Administrativos na aplicação da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro: primeiras impressões”, in Três Textos sobre o Novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, 2008, A.A.F.D.L, [A. que considera que a opção do legislador acabou por tornar a jurisdição administrativa nos tribunais do contencioso jurídico-público].

 

[4] Defendendo que a solução existente de interposição da acção na primeira instância – que resulta da aplicação conjunta dos arts. 44.º/1 ETAF e 18.º/2, por analogia, do CPTA - se afigura criticável, CARLA AMADO GOMES [op. cit., p. 140] sugere que a competência para julgar estas acções deveria estar entregue ao STA, solução todavia não acolhida pela jurisprudência daquele Tribunal Superior, cf. Ac. STA 11.05.2005, P. 616/04.

[5] CARLA AMADO GOMES, op. cit., p. 141.

[6] Atente-se ao facto de aquela mesma norma já anteriormente ter sido declarada ineficaz face ao autor do pedido indemnizatório, e a situação geradora do dano já ter sido reconstruída, pelo que se afigura difícil de configurar nestes casos a hipótese de um recurso extraordinário de revisão, e impedida, à luz da ratio que subjaz o art. 80.º/1 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, a reapreciação da norma em situação reportável ao mesmíssimo sujeito perante o qual houvera já sido declarada ineficaz.

[7] Que J. REIS NOVAIS [“Uma Nova Acção de Inconstitucionalidade”, in Jornadas sobre o Novo Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, apud CARLA AMADO GOMES, op. cit. 145] considera constituir um novo recurso de inconstitucionalidade, em sentido diverso do que aqui se vem expondo.

[8] Na expressão de CARLA AMADO GOMES, op. cit., p. 144. 

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por CatarinaSantinha às 02:29


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