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Blog de Contencioso Administrativo



Domingo, 20.10.13

Legitimidade activa nas acções administrativas especiais

 

 Estrutura:

 

1 – Introdução

2 – Legitimidade activa no CPTA

2.1 – Das acções administrativas especiais

3 – Conclusão

4 - Bibliografia

 

 

 

 

1 – Introdução

 

            O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante designado como “CPTA”), ao contrário daquilo que se verifica no Código de Processo Civil (artigo 26.º), regula separadamente as matérias da legitimidade activa e da legitimidade passiva, tal como poderemos retirar dos artigos 9.º e 10 CPTA, sendo o primeiro dedicado à legitimidade activa e o segundo à passiva. O art.º 9.º, nº 1 CPTA atribui ao autor legitimidade activa quando este seja titular da relação material controvertida, ao passo que o art.º 10.º CPTA exige como critério de legitimidade passiva, que o réu possua legitimidade passiva quando for a outra parte na mesma relação material ou quando se tratar de pessoa ou entidade titular de interesse contraposto ao do autor.

            Nesta breve dissertação, iremos observar com especial atenção a legitimidade activa, de modo a identificar os vários traços “objectivistas” que permanecem no CPTA, bem como compreender as diferentes soluções consagradas pelo legislador para as acções administrativas especiais, que simbolizam uma verdadeira extensão ao critério geral emanado pelo art.º 9.º, nº 1 CPTA.

 

 

2 – Legitimidade activa no CPTA

 

            Como atrás referi, o tratamento da legitimidade activa encontra-se previsto no art.º 9.º, n.º 1 CPTA, sendo de notar que a mesma não se esgota neste preceito. De facto, aquele critério geral poderá ser derrogado por um conjunto de soluções previstas pelo CPTA, que visam regular as acções administrativas especiais (que serão aprofundadas no ponto 2.1), não obstante disso, esse critério geral possui uma enorme relevância, contendo características das matrizes que resultaram na produção do CPTA.

            Tal como se encontra previsto no preceito, terá legitimidade activa a pessoa ou a entidade que seja titular de uma relação material controvertida. Daqui poderemos extrair a matriz subjectivista do actual CPTA, que, tendo abandonado parcialmente a matriz francesa, adoptou o modelo germânico como principal fonte de inspiração.

             No entanto, e tal como referi, este abandono é meramente parcial, na medida em que o legislador não teve o intuito de adoptar um subjectivismo absoluto, procurando antes restringi-lo com recurso ao objectivismo, ora, o art.º 9.º, nº 1 CPTA acaba por observar esse limite, na medida em que, uma pessoa ou entidade que não seja titular da relação material controvertida, poderá interpor uma acção contra a Administração quando cause indirectamente um dano ao mesmo, o que parece ser uma solução bastante razoável, dado que a opção por um subjectivismo absoluto poderia facilmente resultar em situações de injustiça.

             Um outro exemplo claro da permanência de determinados “traços” objectivistas no actual CPTA poderá ser verificado no n.º 2 do art. 9.º que reconhece ao Ministério Público, Autarquias Locais, Associações e Fundações defensoras dos interesses públicos e, em geral, a qualquer pessoa singular, enquanto membro da comunidade, o direito de lançarem mão de todo e qualquer meio processual, principal ou cautelar para defesa dos valores que enuncia, ou seja, neste caso, terá legitimidade processual quem não alegue ser parte numa relação material controvertida, visando antes o exercício no âmbito do contencioso administrativo por parte dos cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos (art.º 2.º, n.º1 da Lei n.º 83/95) do direito de ação popular para defesa de bens e valores constitucionalmente protegidos, sendo ainda consagrada a acção pública, que permite ao Ministério Público actuar de forma a defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público (art.º 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

           Para além daquele exemplo, ser-nos-á possível observar que as diversas acções administrativas especiais que serão tratadas adiante, fornecem elementos que nos permitem contemplar a decisão do legislador em procurar um equilíbrio entre a dimensão subjectiva e a dimensão objectiva, no intuito de garantir um tutela eficiente não só àqueles que são titulares de uma situação material controvertida, mas igualmente a todos os que se sentirem lesados nos seus interesses e direitos, aos quais será fornecida tutela para salvaguardar quaisquer interesses colectivos, difusos ou públicos.

 

 

2.1 – Das acções administrativas especiais

 

            Após a análise do critério geral do reconhecimento da legitimidade activa, deveremos agora centrar-nos na questão basilar em análise: a legitimidade activa nas acções administrativas especiais.

            De facto, o critério geral do art.º 9.º, n.º1 CPTA, será afastado quando, ao litígio em causa, seja aplicável qualquer um dos critérios especiais previstos nos artigos 40.º, 55.º, 68.º, 73.º e 77.º sendo a sua análise de enorme relevância para o estudo da matéria da legitimidade, não deixando no entanto de referir que ao critério especial previsto para o art.º 40.º CPTA (relativo às acções sobre contratos) será dada uma atenção menos aprofundada que aos restantes, dado que a apenas estes é exigida a forma de acção administrativa especial.

            Assim sendo, e naquilo que concerne ao art.º 40.º CPTA, este veio responder às fragilidades do anterior regime, que apenas conferia legitimidade às entidades contratantes, reconhecendo agora legitimidade aos seguintes intervenientes: partes na relação contratual (art.º 40.º, n.º 1 al. a) CPTA); Ministério Público (artº. 40.º, n.º1 al. b) CPTA, sendo que esta competência advém igualmente do disposto no art. 51 ETAF); demais pessoas e entidades que, nos termos do art.º 9.º, n.º2 CPTA, podem agir em defesa dos valores que esse preceito enuncia (art.º 40.º, n.º1 al. b) CPTA); por quem, tendo tomado parte no procedimento que procedeu a celebração do contrato (p.e.: concurso público), tiver impugnado as decisões tomadas no âmbito desse procedimento, com fundamento na ocorrência de ilegalidades pré-contratuais  no âmbito do procedimento que precedeu a celebração do contrato (art.º 40.º, n.º1 al. d) CPTA); pelos participantes no procedimento que procedeu a celebração do contrato, por alegada desconformidade entre o clausulado do contrato e os termos resultantes da adjudicação (art.º 40.º, n.º1 al. e) CPTA) – problema aqui em causa será a inserção de cláusulas no contrato onde não deveriam constar; por quem alegue que o clausulado do contrato não corresponde aos termos que tinham sido inicialmente estabelecidos, e que justificadamente o tinham levado a não participar no procedimento pré-contratual, embora preenchesse os requisitos necessários para o efeito (artº. 40.º, n.º1 al. f) CPTA) – ou seja, houve um interessado que, tendo em conta os parâmetros do concurso, afastou-se do mesmo, no entanto, observou que o contrato celebrado não obedeceu aos requisitos que o “impediram” de concorrer, tendo sido claramente lesado; por quem tenha sido prejudicado pelo facto de não ter sido adoptado o procedimento pré-contratual exigido por lei (art. 40.º, n.º 1 al. c) CPTA); por quem tenha sido ou possa vir a ser previsivelmente lesado nos seus direitos ou interesses pela execução do contrato (art. 40.º, n.º 1 al. g) CPTA – esta é uma situação muito ampla competindo à jurisprudência delimitá-la, estando esta situação pensada para os casos das empresas que desenvolvem uma atividade em regime de concorrência de um setor de mercado onde exista concessão de um serviço público.

             Para além destas situações, as ações dirigidas a obter a execução de contratos também podem ser propostas pelos titulares de direitos ou interesses em função dos quais as cláusulas contratuais tenham sido estabelecidas (art.º 40.º, n.º 2 al. b) CPTA), tendo esta situação especial relevância na medida em que visa garantir o cumprimento, por parte dos concessionários de serviços públicos dos deveres consignados no contrato em causa. De modo a consagrar a acção pública, é igualmente reconhecida legitimidade ao Ministério Público, quando esteja em causa a execução de cláusulas cujo incumprimento possa afectar um interesse público especialmente relevante, tal como previsto no art.º 40.º, n.º 2 al. c) CPTA, sendo igualmente observado o respeito pela acção popular no art.º 40.º, n.º 2 al. d) CPTA, que confere legitimidade aos particulares e entidades previstas no art.º 9.º, n.º 2 CPTA. Por fim, terá legitimidade activa a entidade que tenha sido preterida no procedimento que antecedeu a celebração do contrato (art.º 40.º, n.º 2 al. e) CPTA), de modo a que as entidades concorrentes possam impugnar o contrato em caso de incumprimento da entidade adjudicada, que a priori ofereceria condições mais vantajosas à entidade adjudicante, mas que acabou por incumprir essas condições.

 

 

Legitimidade para a impugnação de actos administrativos

 

           

            Iniciando a análise dos critérios especiais que reconhecem a legitimidade activa a determinadas entidades e particulares e para as quais é exigível o recurso à forma de acção administrativa especial, observamos a legitimidade para a impugnação de actos administrativos, que se encontra prevista no art.º 55.º CPTA atribuindo oito categorias de pessoas e entidades legitimadas a impugnar actos administrativos pedindo a sua anulação ou declaração de nulidade.

            Em primeiro lugar, terá legitimidade para impugnar quem alegue ser titular de um interesse pessoal e directo, designadamente por ter sido lesado pelos actos nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (art.º 55.º, n.º 1, al. a) CPTA). A exigência do requisito “interesse directo e pessoal” consubstancia o facto de, para ser impugnado um acto administrativo, não será necessário que esteja em causa uma ofensa a um direito juridicamente tutelado, mas antes a conclusão de que aquele acto, no momento em que é impugnado, estará a gerar determinadas consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, ou seja, poderá ser interposta em tribunal uma acção de impugnação de um acto administrativo por qualquer interveniente que, da impugnação daquele acto, retire uma vantagem jurídica ou económica.

            Analisando agora os critérios do “interesse directo e pessoal”, importará salientar que com o acolhimento desta fórmula, o CPTA abandonou a referência feita ao “interesse legítimo” que era definido como o interesse que decorria do facto do seu titular haver sido desfavorecido no processo em que foi praticado, ou, quando tal critério fosse insuficiente, quando o interesse em causa fosse objecto de protecção jurídica, ainda que indirecta. Este “abandono” daquele critério deveu-se ao facto deste não apresentar uma real autonomia, podendo resultar em contradições ao próprio critério actualmente definido porque, em certos casos poderia claramente exigir que estivessem em causa interesses juridicamente tutelados.

            Retomando a análise dos critérios efectivamente utilizados, será necessário efectuar uma distinção entre ambos, sendo que o interesse pessoal reporta-se a uma utilidade que o interessado poderá obter com a anulação ou declaração de nulidade daquele acto, ao passo que o critério do interesse directo pretende apurar se existe um interesse claramente actual em pedir a anulação ou declaração de nulidade do acto que é impugnado. A necessária cumulação destes critérios para apuramento da legitimidade do autor tem vindo a ser debatida, sendo que, perfilhamos da posição de Mário Aroso de Almeida, na medida em que considera que apenas o carácter pessoal do interesse dirá respeito ao pressuposto processual da legitimidade, tendo o carácter directo que ver com a questão de saber se o alegado titular do interesse tem efectiva tutela judiciária.

            Adoptamos esta posição, pelo facto de consubstanciar um critério que atribui maior segurança aos destinatários e ao próprio intérprete, o que se deve à possibilidade de, em diversos casos, o apuramento do interesse directo do interessado ser de um grau de enorme dificuldade, com que a própria jurisprudência já se confrontou, apresentando algumas soluções que ilustram a enorme volatilidade do critério do interesse directo (Ac. do Pleno do STA de 15 de Novembro de 2001). Daqui poder-se-á extrair que, ao contrário do critério emanado no art.º 9.º, n.º 1 CPTA (da titularidade da situação jurídica controvertida), bastando a alegação do interesse.

            O art.º 55.º, n.º1 al. b) CPTA, garante a previsão da acção pública, atribuindo legitimidade ao Ministério Público para impugnar todo e qualquer acto administrativo no âmbito do art.º 51.º ETAF.

            A al. c) do n.º 1 do art.º 55.º CPTA reconhece, por sua vez, legitimidade às pessoas colectivas quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender. Esta previsão, resulta numa inovação do CPTA actual em relação ao anterior, na qual não constava esta situação (não obstante da jurisprudência ter reconhecido várias vezes que as entidades públicas poderiam impugnar actos administrativos em defesa de interesses próprios no âmbito de relações jurídicas inter-administrativas. Para que uma entidade colectiva possa impugnar um acto administrativo, será necessário que esse acto tenha incidência sobre algum dos interesses que lhe sejam legalmente reconhecidos, sendo de notar que não é necessário que o poder de impugnação esteja previsto no quadro de competências dos órgãos da entidade em causa.

            Um outro aspecto de enorme relevância neste art.º 55.º, n.º 1, al. c) CPTA, reflecte-se no facto deste reconhecer legitimidade às pessoas colectivas privadas naquilo que concerne aos direitos e interesses que lhes cumpra defender (visando garantir o exemplo por excelência, das associações de qualquer tipo poderem, no respeito pelo princípio da especialidade, agirem em processo na defesa dos direitos e interesses dos respectivos associados).

            Foi igualmente incluída no âmbito do art.º 55.º CPTA (na al. d) do n.º 1) a possibilidade de um órgão administrativo de uma determinada pessoa colectiva de direito público poderem impugnar os actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva, o que, não só constitui uma situação inovadora, como igualmente complexa, dado os diversos problemas que poderá suscitar mas que, dado o tema dessa breve dissertação, não serão alvo de exposição.

            Por sua vez, o art.º 55.º, n.º 1 al. e) CPTA, confere legitimidade a outras autoridades (que não o Ministério Público, cuja legitimidade já se encontra prevista na al. b) do respectivo artigo), possam impugnar actos em defesa da legalidade administrativa desde que tal legitimação resulte de lei avulsa.

            O art.º 55.º n.º 1 al. f) CPTA vem reforçar a legitimidade das entidades previstas pelo art.º 9.º, n.º 2 CPTA, para que estas possam impugnar quaisquer actos que coloquem em causa algum dos valores previstos no mesmo preceito ou que sejam constitucionalmente tutelados.

            Por fim, o art.º 55.º, n.º 2 CPTA garante a acção popular local, mantendo a tradição do nosso contencioso de impugnação de actos administrativos.

 

Legitimidade para pedir a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido

 

            A legitimidade em relação a esta matéria, encontra-se prevista no art.º 68.º CPTA, tornando-se necessária uma análise das cinco categorias de particulares ou entidades legitimadas para este tipo de acção.

            O art.º 68.º, n.º1 al. a) CPTA atribui legitimidade a quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido dirigido à emissão do acto ilegalmente recusado ou emitido. Nesta matéria, deveremos ter em conta que, ao contrário daquilo que é previsto para a impugnação de actos administrativos (art.º 55.º, n.º 1 al. a) CPTA), não bastará a alegação de um interesse pessoal e directo, sendo antes necessária a titularidade de um interesse legalmente protegido à emissão de um acto, o que se deve à necessária apresentação prévia de um requerimento dirigido à Administração por parte de um particular ou entidade, que resulta num dever de decidir àquela (art.º 67.º, n.º 1 CPTA). Ou seja, rapidamente poderemos observar uma superior tutela subjectiva no âmbito dos pedidos de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido, quando comparada com a tutela observada no âmbito da impugnação de actos administrativos, o que se deve fundamentalmente ao pressuposto de que os actos administrativos de conteúdo positivo tenderem a ser prejudiciais a um maior número de destinatários, carecendo por isso de um maior controlo.

            Por sua vez, e a exemplo do que se sucede no art.º 55.º, n.º 1 al. c) CPTA, o art.º 68.º, n.º 1 al. b) CPTA reconhece legitimidade às pessoas colectivas públicas e privadas a pedir a condenação à prática, por parte da administração, de um acto legalmente devido, quando dessa não emissão ou decisão de emissão resultem danos para a esfera dos direitos e interesses que lhes cumpre defender. Nesta situação, deverá apenas ser avaliada a titularidade da pessoa colectiva em causa, de um direito ou interesse que a habilite a requerer a emissão de uma decisão por parte da administração.

            De modo a salvaguardar a acção pública, o art. 68.º, n.º 1, al. c) CPTA, confere legitimidade ao Ministério Público para requerer a condenação à prática de actos administrativos legalmente previstos. No entanto, e diferentemente daquilo que sucede com a impugnação de actos administrativos (art. 55.º CPTA), a legitimidade conferida ao Ministério Público possui limitações (que não o abrangente critério do art.º 51.º ETAF), sendo que a primeira reside no facto do CPTA não atribuir um poder genérico ao Ministério Público de apresentar requerimentos que adstrinjam a Administração no dever de decidir, atribuindo-lhe esse poder apenas nas situações de omissão legal em que o dever da prática do acto de decidir estivesse expressamente previsto na lei. A segunda limitação resulta desta legitimidade ser atribuída para tutela dos interesses previstos no art.º 9.º, n.º 2 CPTA, impedindo por isso que o Ministério Público seja um “super-tutor” de todas as situações que consubstanciem um dever de decidir da Administração, o que não se verifica na matéria da impugnação de actos administrativos.

            Em último lugar, mas não menos relevante, o art.º 68.º, n.º 1 al. d) CPTA atribui legitimidade das pessoas e entidades referidas no n.º 2 do art.º 9 CPTA (não valendo, logicamente, a remissão para o Ministério Público, dado que esta se encontra prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 68 CPTA).

 

 

Legitimidade para impugnação de normas

 

            A matéria agora em análise, encontra-se prevista no art.º 73.º CPTA atribuindo a quatro categorias de pessoas e entidades legitimidade para requerer a declaração de ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições do direito administrativo.

            O n.º 1 do art.º 73.º CPTA confere legitimidade a pedir a “declaração de ilegalidade com força obrigatória geral por quem seja prejudicado pela aplicação da norma ou possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo, desde que a aplicação da norma tenha sido recusada por qualquer tribunal em três casos concretos, com fundamento na sua ilegalidade”. A letra da lei, neste caso, parece ser bastante clara, demonstrando um clara tutela objectiva desta matéria, resultante da adopção do modelo germânico por parte do legislador português.

            Por sua vez, o art.º 73.º, n.º 2 CPTA reconhece legitimidade a requerer a impugnação de normas cujos efeitos se produzam imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação, salvaguardando a possibilidade deste pedido ser deduzido por umadas pessoas ou entidades previstas no art.º 9.º, n.º 2 CPTA para defesa dos valores ali enumerados.

            Finalmente, o art.º 73.º, n.º 3 CPTA atribui o poder de pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral sem necessidade da verificação de recusa de aplicação em três casos concretos, ao Ministério Público, podendo este pedido ser deduzido oficiosamente ou a pedido das pessoas ou entidades previstas no art.º 9.º, n.º 2 CPTA, o que aprofunda e vem cimentar a tutela objectiva existente em relação a esta matéria, devendo ainda ter em conta que este pedido do Ministério Público será obrigatório quando tiverem sido proferidas três sentenças de desaplicação das normas em causa.

 

Legitimidade para pedir a declaração de ilegalidade por omissão de normas

 

 

            Naquilo que concerne a esta situação, importará ter em conta que ela se encontra regulada pelo art.º 77.º, n.º 1 CPTA, atribuindo legitimidade a três categorias de pessoas ou entidades para pedirem a declaração de ilegalidade por omissão de normas.

            A primeira entidade referida, e de forma a consubstanciar a acção pública, é o Ministério Público que, a exemplo do que se verifica na matéria de impugnação de actos (art.º 55.º CPTA) e na matéria de impugnação de normas (art.º 73.º CPTA), possui uma legitimidade quase ilimitada, que encontra apenas como limite, a abrangência do art.º 51.º ETAF, ou seja, poderá ser dito que quando a matéria em causa seja a declaração de ilegalidade por omissão de normas, o Ministério Público poderá sempre ser parte activa na acção correspondente.

            O art.º 77, n.º 1 CPTA, estende ainda a legitimidade para pedir a declaração de ilegalidade por omissão de normas, às pessoas e entidades que nos termos do art.º 9.º, n.º 2 CPTA, possam agir em defesa dos valores que o preceito enuncia, e por quem alegue um prejuízo resultante da situação de omissão.

 

 

 

3 – Conclusão

 

            Através da exposição em análise, para além de uma suplementar compreensão da legitimidade activa no CPTA, ser-nos-á igualmente possível constatar diversos aspectos quanto ao mesmo, cuja explicitação se torna agora basilar.

            Denota-se desde logo, o esforço do legislador em impedir o acolhimento de um subjectivismo absoluto, procurando sempre restringi-lo com “traços” objectivistas (note-se a contraposição entre a legitimidade conferida pelo art.º 55.º CPTA e aquela que é reconhecida pelo art.º 68 CPTA) o que acaba por resultar num sistema equilibrado e que nos parece ser capaz de tutelar os interesses que efectivamente importará proteger. Não obstante desse equilíbrio, não poderemos deixar de fazer notar que esta alternância constante cria alguns problemas ao intérprete, podendo, em última análise, ser prejudicial para o valor da segurança jurídica, fundamental para o regular funcionamento de qualquer ordenamento jurídico inserido num Estado de Direito Democrático (tal como é o caso de Portugal). No entanto, esta “modificação” para uma matriz mais subjectivista acaba por abolir alguns problemas de aplicação em relação ao anterior regime, o que poderá ser observado, por exemplo, na al. a) do n.º 1 do art.º 55.ºº CPTA, que resultou na consagração dos critérios do “interesse pessoal e directo” e na extracção do critério do “interesse legítimo” que, como foi explicitado, conduzia a uma dificuldade suplementar da aplicação do preceito.

            Um outro aspecto de extrema relevância prende-se com a legitimidade que é conferida tanto à acção popular como à acção pública. Em relação à primeira, foi possível observar que em todos os preceitos, se encontra salvaguardada a possibilidade das pessoas e entidades previstas no n.º 2 do art.º 9 CPTA poderem interpor uma acção de modo a tutelar os interesses tutelados naquele preceito como quaisquer outros interesses que mereçam protecção constitucional. Quanto ao segundo, também a intervenção do Ministério Público é legitimada em todas as acções em causa, tendo, à excepção do previsto no art.º 68.º, n.º 1 al. c) CPTA, uma limitação quase inexistente, e que se encontra prevista no art.º 51.º ETAF, o que, não obstante de ser louvável, não deixará de ser criticável, na medida em que este fraco controlo do Ministério Público poder-lhe-á conferir uma legitimidade excessivamente lata.

            Por último será possível concluir que a tentativa de criação de um sistema equilibrado, acaba por, indubitavelmente, garantir uma protecção de todos os interesses que possam ser lesados pela actuação da Administração, o que será sempre um factor extremamente positivo.

 

 

4 – Bibliografia

 

 

VASCO PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo», 2ª. edição, Almedina, Coimbra, 2009.

 

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «Manual de Processo Administrativo», Almedina, Coimbra, 2010.

 

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos», 4ª. edição, Almedina,  Coimbra, 2007.

 

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «Sobre a Autoridade do Caso Julgado das Sentenças de Anulação de Actos Administrativos», Almedina, 2004.

 

RUI CHANCERELLE DE MACHETE, “Sobre a Legitimidade dos Particulares nas Acções Administrativas Especiais”, in «Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia» Volume II, Coimbra Editora, 2011.

 

SÉRVULO CORREIA, «Direito do Contencioso Administrativo», I vol., Lex, Lisboa, 2005.

 

DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», Volume II, Almedina, 2013.

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Nuno Azevedo às 15:12


1 comentário

De tiagoantunes a 02.11.2013 às 11:21

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